São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fisiologia e governabilidade

LUÍS NASSIF

A deputada federal Zila Bezerra foi eleita com 7.422 votos; Ronivon Santiago, com 6.965; João Maia, com 7.583; Osmir Lima, com 4.585 votos.
São alguns dos deputados federais cujo voto para a aprovação da emenda da reeleição foi comprado -conforme a reportagem de Fernando Rodrigues, da Folha-, fato que está colocando em risco a estabilidade política e econômica do país.
É preciso saber a origem do dinheiro do suborno.
Mas é importante corrigir esse realismo fantástico do modelo político-institucional brasileiro, que permite que deputados com menos de 8.000 votos passem a ter papel decisivo em votações fundamentais.
A aprovação da emenda interessava ao presidente da República e a todos os governadores e prefeitos -e, por tabela, a todos os empreiteiros que fornecem para os três níveis administrativos. Daí a dificuldade de identificar os financiadores finais.
Mesmo antes da divulgação das gravações pela Folha, no entanto, já vinham ocorrendo outros eventos inacreditáveis.
Orleir Cameli, governador do Acre, contribuinte que opera com seis CPFs, com suspeitas fortes de chefiar uma quadrilha em seu Estado, quase conquistou seu habeas-corpus, ao ser recebido no Palácio do Planalto pelo presidente da República.
O governador do Amazonas, Amazonino Mendes, uma das reputações mais controvertidas da República, está prestes a ressuscitar a sinecura da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), indicando um apaniguado para o cargo.
A "realpolitik"
Não é prerrogativa deste governo fazer tais concessões. E reside aí a questão a ser discutida.
Nas últimas quatro décadas, a governabilidade no país foi assegurada ou fechando-se o Congresso (como em 1968) ou montando-se maiorias à custa do mais rasteiro fisiologismo.
No governo Figueiredo, teve início o loteamento das estatais. No governo Sarney, houve de tudo. No período Collor, a arrogância fez o governo descuidar-se de comprar apoios, além de competir com os seculares esquemas de propinas do setor público -e o governo caiu. No governo Itamar, prosseguiu o loteamento de cargos e ministérios.
No governo Fernando Henrique Cardoso, acenou-se com a "realpolitik": se é impossível governar sem a fisiologia, utilizem-se pela última vez essas armas para livrar o país e o Estado de toda ação fisiológica futura.
Agora, estoura o caso Ronivon, deixando um rastro de dúvidas sobre o futuro do governo e das reformas.
Será que é sina do país eleger governantes que se envolvem deliberadamente em rolos dessa natureza? Ou há algo de errado com o modelo político brasileiro?
Reforma política
A resposta que o Congresso e o Executivo devem à Nação não é apenas a punição de meia dúzia de deputados ou a demissão de membros do Executivo. É tratar de, no prazo mais rápido possível, votar uma reforma política de verdade, que demonstre claramente que a maioria séria no Legislativo não aceitará mais conviver com traficantes e chantagistas -atraídos pela facilidade com que se faz dinheiro mercadejando votos.
Modelo político sério é aquele em que as negociações se dão por meio de partidos ou de Estados, não de decisões individuais. Para tanto, é fundamental que a reforma contemple os seguintes pontos:
1) Instituição da fidelidade partidária.
2) Fim do colégio proporcional, que permite que legendas de aluguel se acoplem a partidos maiores e elejam parlamentares sem nenhum compromisso com os partidos-mãe.
3) Redução das bancadas mínimas estaduais para quatro deputados, acabando com a possibilidade de Estados como o Acre elegerem deputados com menos de 8.000 votos.
4) Regras de barragem para pequenos partidos, acabando de vez com as legendas de aluguel.
5) Disciplinamento definitivo dos gastos de campanha, assim como o fim do sigilo bancário para quem é titular de mandatos eletivos.
6) Discussão ampla do conceito de federalismo, para impedir que figuras suspeitas -como o governador do Acre- se mantenham no poder, por meio da simples manipulação das bancadas estaduais.
7) Remuneração adequada dos parlamentares. Parlamentar com problemas financeiros é parlamentar exposto a toda sorte de tentação.
Nesse penoso processo de reconstrução nacional, a única maneira de não desanimar definitivamente a opinião pública é responder a cada escândalo com a apuração dos fatos. Mas principalmente com uma mudança estrutural que resolva definitivamente o problema dali para a frente.

Email: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: UE questiona fusão de empresas aéreas
Próximo Texto: Sindicatos querem 10 mil em protesto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.