São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Fotógrafo realiza épico

EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA

Luis Gonzáles Palma, o arquiteto, projetou uma epopéia. Gonzáles Palma, o fotógrafo, enxergou os efeitos de uma determinada luz sobre uma certa cor. Insatisfeito, Palma, o artista, pintou, colou, rasgou e remendou tudo o que o arquiteto e o fotógrafo haviam pensado. Fez-se assim a narrativa.
A história não é nova nem original. A saga de um povo aculturado pela colonização e amedrontado pela guerra civil. O conceito também é recorrente. Tudo o que tende ao microcosmo das histórias regionalizadas explode em arquétipos universais. A busca da identidade perdida e seu improvável resgate são a tônica da obra de Palma e das artes desse fim de século.
São esses os elementos do épico de Palma, protagonizado por personagens melancólicos e texturas sombrias que emolduram símbolos das culturas maia e indígena. Metáforas do elo perdido entre o selvagem e o urbanóide.
Mas Palma sabe que a tentativa romanceada do resgate do bom selvagem rousseauniano é mais que uma improbidade, é uma impossibilidade histórica. Sabe também que o processo de globalização e descaracterização cultural em curso só fará recrudescer tal desorientação. Se voltar atrás é ineficaz, avançar nesse modelo é intolerável.
Os retratos em exposição sintetizam bem esse sentimento. Pior, possuem a intrigante e desconfortável capacidade de olhar mais que serem olhados. A sensação é clara. Essas caras lívidas têm mais a dizer de quem as observa, do que as considerações que o observador pode ter sobre elas.
As rupturas, as descontinuidades que Palma opera sobre suas montagens fotográficas, mais que um realce pictórico, denunciam sua visão sobre o trágico da vida. A inevitabilidade da morte, física ou simbólica, permeia toda sua obra.
A dramaticidade atinge o clímax com a utilização do betume da judéia que ele utiliza para pintar ou simplesmente esparramar sobre as imagens. É como se fosse uma mistura de sangue e terra recobrindo as faces da América servil.
Abismo
Tanto o trabalho de Palma como a produção dos equatorianos e outros latinos, presentes nesse 3º Mês Internacional da Fotografia, estão servindo para demonstrar o abismo cultural e referencial entre o Brasil e seus vizinhos.
Enquanto toda a América Latina direciona suas câmeras na busca de identidades nacionais e entendimento dos seus processos históricos, os brasileiros parecem não ter o menor apreço por tais temas.
Ao contrário, nossa produção atual vai justamente no sentido de reforçar a falta de identidade nacional e nossa tendência cosmopolita. É como se nós, brasileiros, tivéssemos assumido sem traumas nossa cultura antropofágica. Será?

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