São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Polêmica chega à competição

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Finalmente polêmica na disputa de Cannes 97. Dois filmes dividiram a crítica: "The Sweet Hereafter" (algo como "Calmaria Depois da Tempestade"), do canadense Etom Egoyan, e "Funny Games" (Jogos Divertidos), do austríaco Michael Hanecke. Quem gostou de um nada se encantou com o outro.
"The Sweet Hereafter" mostra a luta de um advogado, Mitchell Stephens (Ian Holm), para convencer as famílias das vítimas de um acidente com um ônibus escolar a mover uma ação indenizatória.
Stephens é um forasteiro que encontra uma comunidade dilacerada. A sobrevivente Nicole (Sarah Polley), paraplégica pelo desastre, lidera a resistência ao processo.
Egoyan optou por um tratamento distanciado. O filme vende em estilo uma complexidade que não tem. Para piorar, desenvolve mal a trama que contrapõe Stephens a sua filha, Zoé, drogada e prostituída. A revelação de que ela é soropositiva representa o golpe mais baixo de todo o filme.
O filme chegou com pose de vencedor. A unanimidade negada deve reduzir hoje seu favoritismo.
"Funny Games" é um thriller dialético sobre a tortura de uma família de classe média austríaca por dois jovens psicopatas.
Começa com uma viagem para a casa de praia. "Capturamos o espectador pelos mecanismos do thriller", reconheceu Hanecke. Um cachorro é morto; o marido, agredido; o sequestro sem resgate, consumado.
Os sádicos Paul e Peter (Arno Frisch e Frank Giering) revelam-se antepassados da gangue de "Laranja Mecânica". Paul apresenta a progressão da violência. Peter, a truculência de pavio curto.
Hanecke manipula até o insuportável as emoções do público. Um a um os clichês dos policiais do gênero são destruídos: a inocência não é preservada, o bem não triunfa, explicações psico ou sociológicas não surgem.
"Funny Games" discute a anestesia contemporânea frente à ascensão da violência no cotidiano sem lançar mão de imagens chocantes ou pirotécnicas. "Em vez de litros de sangue, uso a imaginação do espectador, algo que o cinema contemporâneo tanto despreza", detalhava ontem Hanecke.
O resultado é uma fábula sombria, precisa e poderosa. "Funny Games" merece a Palma de Ouro, mas parece pessimista demais para arrebatá-la.

Filme: The Sweet Hereafter
Direção: Atom Egoyan
Com: Ian Holm, Sarah Polley

Filme: Funny Games
Direção: Michael Hanecke
Com: Susanne Lothar, Ulrich Muehe

O crítico Amir Labaki está em Cannes a convite da organização do festival.

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