São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Angolanos da Unita começam a abandonar presidente

RICARDO BONALUME NETO
DO ENVIADO ESPECIAL

O caminho para Kinshasa está praticamente aberto para os rebeldes de Laurent Kabila. Caminhões repletos de soldados angolanos da guerrilha Unita, que dava suporte ao governo de Mobutu Sese Seko, foram vistos voltando para o norte de Angola.
Os angolanos estavam entre as tropas mais aguerridas defendendo o presidente do Zaire, que foi seu aliado durante a guerra civil contra o governo de Angola.
Kinshasa estava praticamente deserta ontem. Mobutu foi ao aeroporto pela manhã, acompanhado por uma caravana de veículos.
Uma equipe de televisão da BBC (Reino Unido) que tentou registrar sua saída foi detida temporariamente perto do aeroporto. Seus equipamentos foram confiscados e depois devolvidos.
Os jornalistas aparentemente só perderam seus relógios. Já o intérprete que os servia levou uma surra, segundo informação de outros jornalistas da BBC.
Dia de greve
A capital viveu um dia de greve geral. O protesto foi convocado pelos partidos de oposição para pressionar Mobutu a renunciar.
Os mercados, normalmente uma balbúrdia, estavam vazios. Em bairros populares havia movimento nas ruas, mas apenas local, pois não havia transporte para se chegar ao trabalho.
Alguns motoristas de táxi que servem aos jornalistas estrangeiros preferiram ficar em casa. Por isso, os correspondentes circulavam em grupos internacionais -como um carro em que havia dois japoneses, um italiano e um canadense e assim por diante.
Patrulhas militares percorriam as ruas, mas eram raras. O carro com a reportagem da Folha e dois outros jornalistas espanhóis foi brevemente detido por um grupo de militares, incluindo oficiais da temida guarda presidencial, nas imediações do palácio de Mobutu.
O grupo estava armado com uma miscelânea de equipamento -fuzis soviéticos AK-47, americanos M-16, submetralhadoras israelenses Uzi. Alguns voltavam do fronte, outros patrulhavam o aeroporto, segundo conversavam entre si. Desistiram de continuar com o questionamento ao saber que não havia nenhum americano no carro.
Êxodo
O palácio de Mobutu fica dentro de uma base militar, cercado pelos militares mais fiéis da sua guarda presidencial.
Militares zairenses se sentem particularmente traídos pelos americanos, que deram suporte a Mobutu e à Unita no passado e agora deixam seu governo à deriva.
Já começa um movimento dos partidários de Mobutu de deixar o país, apesar de viverem um delicado dilema -eles não podem fugir antes de o presidente largar o poder.
Há pequenas filas de automóveis de luxo no ferry-boat para a vizinha Brazzaville, a capital do Congo, separada de Kinshasa pelo rio Congo. Há duas travessias por hora.
Existem mansões e apartamentos de luxo também já abandonados temporariamente por seus donos, zairenses ricos ou europeus.
O hotel Inter-Continental, o mais luxuoso da cidade, tinha principalmente jornalistas até agora. De anteontem para hoje começou a receber hóspedes zairenses, libaneses (os principais comerciantes do país) e um ou outro "mercenário", que podem ser pilotos estrangeiros, por exemplo.
Ironicamente, o hotel tem na entrada uma placa indicando sua inauguração por "sua excelência o tenente-general Joseph-Desiré Mobutu" em 2 de outubro de 1971, presidente da então "República Democrática do Congo". A placa é de cobre, uma das principais riquezas minerais do Zaire.
(RBN)

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