São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Louvação ao mercado

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Mercado é um dos raros substantivos que não pedem adjetivos. É o mercado e pronto. Não é bom nem ruim, útil ou inútil, correto ou incorreto. Tem mesmo a força impessoal dos fenômenos físicos, como chover ou amanhecer. Invocado para isso ou para aquilo, ele explica, justifica e em alguns casos santifica qualquer ação individual ou coletiva.
Essa filosofia barata me ocorreu quando soube da venda de votos para a reeleição. Erram aqueles que condenam os deputados e governadores que compraram e venderam votos. Afinal, com a predominância do mercado, com a sua santificação neoliberal, eles é que estão politicamente corretos, inseridos na modernidade.
Tudo tem um preço, há uma lei que não nasceu de uma medida provisória e que não precisou de dois quintos do Congresso para ser aprovada: a lei da oferta e da procura.
Cada movimento do governo em busca dos tais 20 anos de poder que o Sérgio Motta deseja para seu amigo e sócio cria um mercado que, afinal, funciona dentro da oferta e da procura, como se fosse um frango ou um CD do Tiririca. Tudo é mercado.
Argumentar que a consciência humana tem valores etc. etc. é conversa para bobos antigos e atuais, conceitos superados pela globalização e pelo novo tamanho do Estado. A reeleição do presidente precisa ser encarada como um produto qualquer, um hortigranjeiro, por exemplo, cujo preço flutua de acordo com as safras -que equivalem, esquematicamente, às temporadas da votação no Congresso.
Os deputados que receberam dinheiro para votar a favor do governo merecem ser louvados. Souberam valorizar a transação, aguardaram o momento certo para fazer o lance. Agiria bem o presidente da República se os nomeasse para o Banco Central, o BNDES, para o Comunidade Solidária.
É de resultados que precisamos e o melhor resultado é lucrar sempre e a qualquer preço.

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