São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 1997
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Por um transporte sustentável

FABIO FELDMANN

A sociedade do século 20 foi marcada pelo aumento da mobilidade das pessoas: nunca se exerceu tanto a possibilidade de ir e vir. O automóvel foi a máquina que permitiu que distâncias cada vez maiores fossem percorridas.
Mas uma grande discussão desponta: qual é o custo social dessa mobilidade? Qual será o papel do automóvel no futuro? Podemos realmente falar em mobilidade, ou os congestionamentos e a imobilidade são a regra?
A facilidade de circulação criou uma situação paradoxal ao incentivar o uso indiscriminado do automóvel: ou seja, qual a vantagem de sair com o seu carro e ficar horas preso no tráfego? Só a frota da Região Metropolitana de São Paulo é da ordem de 5,3 milhões de veículos, o que esgota nossa capacidade viária, nossa paciência e nossa saúde.
Os congestionamentos de tráfego e suas consequências não são um privilégio dos paulistanos: são um problema universal. Hoje, os países europeus têm uma infra-estrutura consolidada de transporte coletivo. E, no entanto, a tendência comportamental mostra que a população tem migrado do sistema coletivo para o individual. O problema é mais profundo do que pode parecer.
Alguém se lembra de algum comercial de automóvel cujo cenário fosse uma avenida congestionada? O apelo sempre se dá por uma estrada livre e paradisíaca, o carro trafega em alta velocidade, os cabelos da linda mulher esvoaçam numa tarde desenhada por um magnífico pôr-do-sol. Um convite à liberdade fictícia, em que a situação real é camuflada aos consumidores.
Semelhante ao que aconteceu com o cigarro -o hábito de fumar passou a ser questionado-, o uso indiscriminado do automóvel começa a entrar em processo semelhante. Apesar de a indústria automobilística proporcionar cada vez mais "comodidades" atenuantes para as intermináveis horas de congestionamento -como ar-condicionado e "CD player", ou até carros com sanitário, em Bancoc-, as montadoras estão preocupadas com o papel do automóvel no próximo século.
Não é para menos: se a mobilidade é a ilusão publicitária, a atual imobilidade é a realidade.
Enquanto a polêmica do rodízio tem se voltado para a questão da população que se priva de um "direito", ao ter que deixar seu carro na garagem algumas horas por semana, a sociedade ainda não se deu conta de que a grande discussão deve se voltar para os efeitos da opção -a valorização do transporte individual-, que interfere diretamente na qualidade da vida urbana.
Na ânsia do status e do estigma da mobilidade, muitas vezes o proprietário do automóvel não se dá conta dos custos de um congestionamento.
Dados do governo dos EUA indicam que os prejuízos ambientais resultantes do trânsito se situam entre US$ 50 bilhões e US$ 256 bilhões por ano. Já um levantamento da Companhia do Metropolitano de São Paulo estimou em cerca de US$ 6 bilhões as "deseconomias" causadas pelos congestionamentos da capital, que têm batido recordes de extensão.
Mas o incentivo para o automóvel não parte apenas do vetor de consumo. A deficiência e a insuficiência do transporte coletivo, associadas a um planejamento urbano que incentiva o uso do automóvel, com a construção de grandes avenidas e túneis, relegaram para as classes menos favorecidas o uso de ônibus, metrô e trem metropolitano.
Com o rodízio, as pessoas foram obrigadas a utilizar o transporte coletivo, muitas delas pela primeira vez. As reações foram negativas.
Entre as queixas mais frequentes está a sua ineficiência. No entanto, isso comprova que, ao mesmo tempo que os governos deixaram de investir nesse setor -retornando agora, no âmbito estadual, com a ampliação do metrô-, a sociedade deixou por muito tempo de reivindicar as melhorias necessárias.
Um transporte coletivo digno é um dos requisitos para a mudança de comportamento. Isso também demonstra que o rodízio, além do caráter técnico, tem um sentido comportamental.
No rodízio está a forma de atenuar os riscos à saúde da população e ainda de chamar a atenção para algo que pode ficar muito pior do que está.
Ao permitir a queda dos índices de poluição do ar, a Operação Rodízio atende ao chamado "princípio da precaução" da Agenda 21, que recomenda que os governos adotem medidas destinadas a prever, evitar ou minimizar as situações de risco à vida, à saúde ou ao meio ambiente, bem como mitigar seus efeitos negativos.
Não é possível mais pensar no combate à poluição de forma isolada. Cabe ao governo o papel de regulador e catalisador. É preciso integrar Estado e sociedade civil e partir para uma política de transporte sustentável.
Nesse sentido, o governo de São Paulo, por meio de sua Secretaria de Meio Ambiente, está apresentando para debate público e posterior deliberação uma proposta de anteprojeto de lei de política de controle da poluição veicular e transporte sustentável. É nesse contexto que o rodízio de veículos automotores se insere.

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