São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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Votação da reeleição envolveu liberação de verba, diz Ronivon

FERNANDO RODRIGUES
LUCIO VAZ
LUCAS FIGUEIREDO

FERNANDO RODRIGUES; LUCIO VAZ; LUCAS FIGUEIREDO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O deputado Ronivon Santiago, expulso anteontem do PFL, diz em conversas gravadas que seus acertos com o governo na emenda da reeleição e em outras votações está baseado na liberação de dinheiro federal para empreiteiras realizarem obras rodoviárias.
Segundo o deputado, essas liberações são acertadas de forma satisfatória por causa da intervenção do governador Orleir Cameli (AC) e pela intimidade que ele, Ronivon, teria com o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, José Luiz Portella -pessoa de confiança do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Pedido do Planalto
Em uma parte da conversa, o interlocutor de Ronivon -aqui identificado apenas como "Senhor X"- menciona o fato de Orleir Cameli ter sido recebido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 27 de janeiro passado, véspera da votação da reeleição.
Eis o que responde Ronivon: "Foi. Esteve. Tem ordem lá para liberar a verba agora em abril".
A verba não foi liberada. Mas Ronivon continuou confiante no governo. "Eu estive com o Portella, do Ministério dos Transportes, que é o cara que coordena as liberações, ele me falou que tem ordem superior já, recebeu ligação superior já pra dar a liberação do Acre", diz o deputado.
O "Senhor X" diz que o dinheiro previsto no Orçamento, mesmo que liberado, não será suficiente para a construção e a recuperação de estradas do Acre.
Ronivon concorda e diz que "o presidente se comprometeu no final do ano a completar a etapa com mais 30 mil".
Na realidade, conforme fica claro em uma resposta posterior, o deputado quis dizer R$ 30 milhões e não R$ 30 mil.
Intimidade
O contexto da conversa entre Ronivon e o "Senhor X" era sobre a posição dos parlamentares em relação ao governo federal.
O deputado então declara que uma das maiores razões para estar votando a favor do governo na Câmara é o tratamento que recebe do Ministério dos Transportes.
Segundo Ronivon, Portella o atende a qualquer momento e estaria para liberar R$ 6 milhões para as obras da BR-317. "Pô, tu quer o quê? Tu acha que eu vou votar o quê?", pergunta Ronivon.
Em outra conversa, o deputado João Maia, que também foi expulso do PFL anteontem, diz que as obras acertadas por Orleir Cameli não se restringem a rodovias.
Primeiro, Maia afirma que existem "grandes acertos entre o Orleir e o Amazonino (Mendes, governador do Amazonas)".
Depois, que a empreiteira Marmud Cameli (da família do governador do Acre) teria recebido obras para construir aeroportos no interior do Amazonas.
A bancada do Amazonas aprovou emenda no valor de R$ 3 milhões para a construção e restauração de aeroportos no Estado com recursos do Fundo Aeronático.
Bancada unida
Ronivon Santiago e João Maia e toda a bancada do Acre aprovaram emendas no valor de R$ 5,2 milhões beneficiando a empreiteira CM Engenharia, que, segundo Ronivon, ficou de lhe pagar R$ 100 mil para votar pela reeleição.
A bancada do Acre conseguiu a aprovação de uma emenda no valor de R$ 3,2 milhões para obras na BR-317/AC (divisa AM/AC). Um trecho dessa estrada (Rio Branco-Brasiléia) está sendo restaurado pela CM Engenharia, de Goiânia.
Ronivon e Maia aprovaram emendas "casadas". A de Ronivon, no valor de R$ 1,5 milhão, prevê a restauração do km 23 ao km 72. A de Maia, no valor de R$ 500 mil, prevê a restauração do km 73 ao km 146 (Capixaba/Xapuri).
Os dois trechos são tocados pela CM Engenharia. A execução orçamentária (dinheiro liberado) de 1996 mostra que foram liberados R$ 3,1 milhões para a restauração da BR-317/AC no trecho Rio Branco-Assis Brasil.
A relação das emendas apresentadas ao Orçamento mostra que tanto Ronivon quanto Maia pediram R$ 1,5 milhão para a BR-317/AC. A emenda da bancada previa mais R$ 18,7 milhões para esta obra.
Na gravação em poder da Folha, o "Senhor X" pergunta ao deputado Ronivon Santiago se "todo mundo pegou 200 pela votação".
O deputado responde que recebeu 100 e acrescenta que metade ficou com a CM.
Motta sabia
Em outra gravação, Ronivon afirma que "o presidente privilegiou as minhas estradas aí. Essas liberações aí". O "Senhor X" pergunta: "Mas o dinheiro das liberações das estradas entrou na renegociação dos votos?".
"Entrou", responde Ronivon. "E isso o Sérgio Motta sabia?" pergunta o "Senhor X". "Sabia. Negócio pro banco. Dinheiro, negócio pro banco do Estado, né? Estrada... Tinha três itens...Eu tive lá com o Sérgio Motta", afirma Ronivon na gravação.
A CM Engenharia tem um contrato (número 004/95-SR007) no valor de R$ 4,2 milhões, assinado em 1995, para restaurar o trecho entre Rio Branco e Brasiléia.
O contrato partiu de um convênio (PG/019/94-05) firmado em 1994. O DER-AC fez a licitação e contratou a CM Engenharia. Os recursos da União são repassados pelo DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem).
As emendas de bancada têm prioridade na aprovação do Orçamento da União.
No Orçamento para 1997, o Acre tem a previsão de R$ 70,7 milhões. As seis emendas de bancada aprovadas resultaram em R$ 33,3 milhões. As outras 150 emendas resultaram em R$ 37,4 milhões.
O diretor da CM Engenharia Carlos Colombo disse à Folha que a sua empresa recebeu R$ 3,7 milhões para restaurar a BR-317.
Segundo ele, a obra começou no final do ano passado e está parada, devendo acabar até o fim do ano.
Colombo disse que conhece o governador Orleir Cameli: "Afinal, é ele quem contrata as obras".
Mas negou que tenha tratado de pagamento de propinas.
"Conheço o Ronivon. Ele já esteve supervisionando as obras que faço", disse também.
Mas Colombo nega que tenha feito os pagamentos citados pelo deputado na gravação. "Nunca fiz cheque para o Ronivon e nunca tive negócio com ele."
A Folha telefonou para os gabinetes dos deputados do Acre ontem à tarde. Até as 18h30, não obteve resposta dos deputados.

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