São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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Filme é comédia de uma piada só

DA REDAÇÃO

"O Homem Nu" corre o risco de prometer uma coisa ao espectador e entregar outra. O trailer fala em comédia, em ode de amor ao Rio de Janeiro.
Não é bem isso que se vê. "O Homem Nu" é, basicamente, um filme de uma piada só, a do título.
Ou antes, há algumas outras, mas elas estão longe de constituir o essencial do filme.
A situação, bem conhecida, vem de uma crônica de Fernando Sabino. Um homem, o folclorista Sílvio Proença (Cláudio Marzo), vai pegar o pão na porta do apartamento. A porta se fecha. É uma dessas portas que se fecham por dentro automaticamente, de maneira que o cara fica do lado de fora, pelado com o pão na mão.
O acidente converte-se num mal-entendido de proporções cósmicas, já que a vizinhança não está disposta a conviver com um sujeito nu.
Assim, passa-se do mal-entendido a uma feroz perseguição. Proença é obrigado a fugir para a rua, e a perseguição transforma-se em paranóia: cada um que passa se sente no direito de depositar no homem seus temores e fantasias (tarado, ladrão, estuprador).
Se se toma como parâmetro um dos filmes de Hugo Carvana, "Vai Trabalhar, Vagabundo", vemos que "O Homem Nu" não destoa da maneira que o diretor tem de observar sua cidade.
"Vai Trabalhar..." (73) era uma comédia melancólica sobre um Rio que mudava.
Em "O Homem Nu", essa tensão entre um Rio que acaba e outro que surge desaparece. Estamos agora num Rio onde a anomalia já não inspira humor, mas temor. Pior: esse temor se converte em fenômeno policial e de mídia.
O Rio cantado por Carvana em "Vai Trabalhar..." e conservado em álcool no "Bar Esperança" (82) aqui parece ter se evaporado quase inteiramente. Não inteiramente. Ainda existe espaço para a malandragem. O editor Mendonça (Daniel Dantas) ainda carrega esse quê safado que, ao longo de sua jornada, o folclorista Sílvio Proença incorporará.
Mas é no grupo de chorões que melhor se manifesta esse espírito carioca que Carvana admira: ali está a falta de compromisso, o improviso.
Não por acaso, os momentos em que os chorões estão em cena são os mais líricos do filme.
Assim, "O Homem Nu" não deixa de ser uma ode de amor ao Rio, ainda que em forma negativa: o amor de Carvana é por um Rio que já não existe, ou quase. E por esse espírito carioca que só marginalmente entra numa cidade assolada por fantasmas da violência.
Não é por nada, também, que a horas tantas o protagonista consegue tomar um táxi e pede ao motorista que vá ao aeroporto. Quer ir a São Paulo.
Nessa hora, "O Homem Nu" deixa o registro da fantasmagoria e entra direto no da fantasia.

Filme: O Homem Nu
Produção: Brasil, 1996
Direção: Hugo Carvana
Com: Cláudio Marzo, Isabel Fillardis, Daniel Dantas, Lúcia Veríssimo
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco 2

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