São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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Danny Morrison

FABIO MASSARI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O meu problema é que as pessoas criticam a mim, e não a meu livro."
Não que o establishment literário irlandês não produza figuras que se sintam autorizadas a um desabafo como esse, mas o caso do escritor "belfastiano" Danny Morrison parece ser exemplar.
Afinal, não é todo mundo que passou pela prisão, com direito a longas temporadas na mítica e temida Maze Prison, que abriga os paramilitares condenados por atos de terrorismo.
Danny Morrison foi durante muito tempo porta-voz do Sinn Fein, o chamado braço político do IRA, grupo terrorista da Irlanda do Norte que quer ver seu país independente do Reino Unido.
Talvez seja esse currículo que torne polêmico seu recém-lançado livro, "The Wrong Man" (O Homem Errado).
Para falar do livro e das coisas da Irlanda do Norte, Danny Morrison recebeu a Folha em um pub próximo a uma espécie de centro cultural católico-republicano chamado Culturelann, em Belfast. (FM)
*
Folha - Você diria que existe um herói no livro? O quanto de autobiografia podemos encontrar em "The Wrong Man"?
Danny Morrison - As mulheres aparecem como sendo as mais fortes, como as mais inocentes e mais cheias de humanidade. Alguns dos personagens masculinos têm aquela orientação machista nas suas vidas. Raymond é uma pessoa cheia de princípios, um ativista do IRA. Sem pessoas como ele a resistência teria desmoronado. O livro não é nem autobiográfico nem semi-autobiográfico. Porém acho que qualquer autor trabalha com algumas de suas experiências pessoais, o que faz com que eu escreva razoavelmente bem sobre uma pessoa do IRA, por causa do meu "background" republicano. É uma leitura opaca, incômoda, não há salvação. É sobre a vida de pessoas enclausuradas.
O personagem Tod faz parte do enorme grupo de pessoas jovens que querem se juntar ao IRA por causa do eventual "glamour" social que esse impõe dentro da comunidade...
E isso é perigoso, porque na hora do recrutamento, a limpeza desse pessoal fica por conta do IRA, que não quer ter em mãos uma peça solta. Raymond sabe quais são suas motivações, o que ele quer e ele está preparado para abrir mão de qualquer coisa: seu casamento, sua vida doméstica. Já Tod, a certa altura, conclui que aquilo não é para ele, mas já deu início a uma série de processos que o impedem de voltar atrás. O livro é basicamente sobre a traição e a lealdade.
Folha - Você poderia falar um pouco sobre esse seu "background" republicano?
Morrison - Não tenho intenção de ir fundo, só posso dizer que eu era um ativista republicano, fui preso sem julgamento em Long Kesh, por 13, 14 meses, fui acusado de pertencer ao IRA e de conspiração para perverter a justiça pública... Fui preso várias vezes, apanhei, fui maltratado e em 1990 fui condenado a oito anos.
A acusação original era de conspiração para homicídio e de pertencer ao IRA. Fui preso a caminho de uma entrevista com um informante. A polícia e o Exército caíram em cima de mim e me prenderam, mesmo sem eu ter nem sequer falado com essa pessoa. O informante não testemunhou contra mim, mas mesmo assim fui preso.
Folha - Não é exagero dizer que boa parte de sua obra foi concebida atrás das grades. Como foi a experiência, que tipo de liberdade você tinha para escrever?
Morrison - Embora você tenha muito tempo, é muito difícil escrever na cadeia. Eu acordava às 6 horas da manhã, a cadeia ficava barulhenta a partir das 9 horas. Muitas pessoas acham que a cadeia é um lugar silencioso, mas é um dos lugares mais barulhentos do mundo: bate-bate, xingamentos e gritos. Quando eu estava aguardando julgamento, as condições eram complicadas. Fui colocado numa cadeia criminal de Belfast, 23 horas por dia trancado, em condições terríveis. Inúmeras brigas entre nós e os unionistas, ataques com água fervendo, facadas... os ataques aconteciam quando você voltava das visitas. Quando cheguei aos "H-blocks", a situação era diferente. Como resultado direto das greves de fome de 1981, todas as reivindicações dos prisioneiros tinham sido atendidas. O regime era bem mais liberal. Não há barulho lá, os homens do IRA e os unionistas estão separados. Os livros capa-dura ainda não são permitidos na prisão. Toda a sua correspondência é lida, mas só é alterada, obviamente, se você incriminar alguém do staff da prisão.
Folha - Você diria que, por ter recebido mais atenção nos últimos anos como escritor, se tornou uma espécie de alvo mais iluminado?
Morrison - Ainda faço trabalhos de publicidade para o Sinn Fein, fui o editor do "An Phoblacht" e do "Republican News", jornais do movimento republicano, fui preso meia dúzia de vezes... Ainda tenho que tomar cuidado. Não fico andando à toa por aí. Tomo medidas de precaução. Acho que os unionistas poderiam me atacar, as forças de segurança ou o Exército britânico poderiam estar interessados em mim. Nos meus livros, não vão encontrar nenhum tipo de informação explícita. Talvez possam fazer alguma leitura psicológica de um ativista republicano, mas acho que, a essa altura do campeonato, uma organização teria que ser muito burra para tentar bater o IRA se baseando em ficção.
Folha - Como ficaria um filme baseado num livro de Danny Morrison?
Morrison - Poderia facilmente ser transformado num filme anti-IRA, o que comprometeria sua integridade. Para transformar "The Wrong Man" em filme, e existe gente interessada, eu teria que ter um tipo de controle especial.

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