São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
Próximo Texto | Índice

Rebeldes estão a 20 km de Kinshasa

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A KINSHASA

A capital do Zaire está próxima de ser tomada pelos rebeldes de Laurent Kabila. Eles estariam ontem de tarde a cerca de 20 km do aeroporto internacional de Ndjili, em Kinshasa, em uma localidade com nome exótico para brasileiros -Maluko.
Há informações de comerciantes portugueses na região da deserção acelerada do Exército zairense perto de Maluko. Os rebeldes teriam chegado logo depois.
Frustrados com o fracasso do encontro entre o presidente Mobutu e o líder rebelde Laurent Kabila, os zairenses esperam que a solução da crise, que já dura sete meses, possa vir agora da passagem do guerrilheiro pela África do Sul para encontrar-se com o presidente sul-africano, Nelson Mandela.
Kabila chegou à Cidade do Cabo e, depois de duas horas de reunião com Mandela, fez um ultimato -mais um- a seu inimigo: dá prazo até segunda-feira para receber o poder.
Mas o assessor de Kabila que recebe o título de "comissário-geral de Justiça", Mwenze Kongolo, foi ainda mais intransigente: "Mobutu corre o risco de ser capturado se insiste em ficar no governo até sábado (hoje)", disse em Lisboa.
Mandela disse que Mobutu pediu prazo de quatro dias (até terça) para analisar proposta de transferência de poder a Kabila.
Um bom indício da debandada das tropas leais ao ditador Mobutu Sese Seko, no poder há quase 32 anos, é a presença repentina, também ontem à tarde, de vários oficiais de altas patentes no hotel Inter-Continental, o mais luxuoso da capital zairense.
Já é "tradição" da elite local de se refugiar nesse hotel de uma cadeia internacional toda vez que há um distúrbio no país. O hotel não chega a estar cheio, pois ele basicamente abriga os jornalistas estrangeiros que não obtiveram quartos no mais central hotel Memling.
O Inter, como o hotel é conhecido, fica afastado do centro, pode ser defendido com mais facilidade e tem um heliporto pelo qual os partidários de Mobutu podem tentar escapar para o vizinho Congo.
Mais do que nas outras crises, Mobutu está fragilizado também devido a sua própria saúde -ele tem câncer na próstata e já não consegue disfarçar seu cansaço com a maratona de negociações- e à crescente oposição política civil, na capital.
Conforme os rebeldes se aproximam da cidade, começa a se delinear seu plano de ataque. A principal base da guarda presidencial é o campo Tshatshi, onde Mobutu tem seu palácio. Será um dos principais alvos dos rebeldes, assim como o aeroporto e as instalações da rádio oficial, a Voz do Zaire, e do Ministério da Informação (onde, além da metralhadora pesada e dos lança-foguetes na entrada, é possível ver soldados em várias salas).
Apoios
Kabila tem apoio de Ruanda, Uganda e Angola. À medida que a frente de batalha se aproxima de Kinshasa, ganha importância o papel dos angolanos e dos rebeldes de Katanga.
Os rebeldes passaram a valorizar ainda mais agora o apoio do governo angolano porque a capital é mais próxima de Angola do que de Uganda e Ruanda, ao leste.
Os homens de Katanga, por sua vez, têm velhas contas a acertar com Mobutu e seus seguidores. A Província de Katanga, depois renomeada Shaba por Mobutu, já era secessionista nos anos 60, quando o então Congo Belga estava passando por um dos mais traumáticos processos de independência da história da África.
Os katangueses foram expulsos para Angola, de onde tentaram uma invasão de Shaba em 77. Destroçaram facilmente as tropas zairenses, mas foram derrotados graças ao apoio militar que Mobutu recebeu de países ocidentais, principalmente da França, da Bélgica e dos EUA. A China também apoiou Mobutu com envio de alimentos.
Hoje, Mobutu se sente traído por esses países, que o apoiaram no passado. Ele fez, por exemplo, acordos anteriormente com Angola para que este deixasse de apoiar a guerrilha katanguesa, assim como ele deixaria de apoiar os rebeldes da angolana Unita.
O governo de Angola chegou a proteger, nos anos 70, com seus aliados cubanos, instalações petrolíferas americanas em Cabinda, contra os rebeldes da Unita apoiados pelos próprios americanos.

Próximo Texto: Sem dinheiro, soldados viram guarda-costas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.