São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 1997
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Impasse nas negociações causa tensão em Kinshasa

RICARDO BONALUME NETO
DO ENVIADO ESPECIAL

O fracasso do encontro entre o presidente do Zaire, Mobutu Sese Seko, e o líder rebelde Laurent Kabila deixou a população de Kinshasa frustrada e ainda mais temerosa que antes.
"Nós somos 5 milhões, mais milhares de refugiados que vieram do leste. Não há como todos nós irmos para o outro lado do rio para o Congo", afirmou ontem à Folha o jornalista Andre Ipakala Abeiye Mobiko, editor e diretor-geral do diário "La Référence", um jornal independente de Kinshasa.
"As pessoas realmente estavam esperando uma solução. Ficamos desapontados", diz.
Para ele, nem Mobutu nem Kabila querem negociar para valer. "Falando francamente, o povo não quer mais Mobutu. Mas também não queremos guerra aqui. Kabila não é realmente bem-educado pelo que fez com Mandela."
O presidente sul-africano, Nelson Mandela, está tentando intermediar as negociações entre os dois lados. Kabila boicotou uma reunião que teria com Mobutu a bordo do navio sul-africano SAS Outeniqua, ancorado em Pointe-Noire, no Congo.
"É difícil entender por que Kabila não compareceu ao encontro", diz Ipakala, que dirige o jornal desde que ele foi fundado, em 1990. "O presidente Mandela lhe deu garantias de segurança." Uma pista, diz ele, é o fato de Kabila dever muito aos países que o apóiam.
As tropas de Kabila são multinacionais, e ele tem tentado recrutar zairenses à medida que seu exército segue em direção à capital. Mas mais importante que tropas é o apoio logístico (de suprimentos). Para isso, inclusive para se deslocar de avião para se encontrar com outros líderes africanos, Kabila depende de estrangeiros.
"Agora que está perto de Angola, ele (Kabila) fala muito com Santos", diz o jornalista zairense se referindo ao presidente angolano, José Eduardo dos Santos. Em vez de ir ao encontro, Kabila foi anteontem a Cabinda, encrave angolano acima da foz do rio Congo.
O "La Référence", cuja sede foi destruída por bomba em 28 de janeiro de 1993, durante distúrbios na capital, tem oito páginas. Costumava ter uma tiragem de 10 mil exemplares. Apesar da sede de notícias que assola Kinshasa, vende apenas 5.000 exemplares na cidade de 5 milhões de habitantes.
Em Kinshasa, a população não tem dinheiro para comprar jornal (ao preço de 150 mil novos zaires, menos de R$ 1), pois o preço dos alimentos tem aumentando muito -nada mais chega do interior.
Liberdade de imprensa
Os jornais de Kinshasa vivem um momento de relativa liberdade de imprensa. Mas, com a atual desintegração do governo de Mobutu, não há muitos interessados em censurar a imprensa local.
O diário publicou ontem o último despacho de um jornalista vindo de Mbandaka, cidade tomada logo a seguir pelos rebeldes. Segundo o "La Référence", os rebeldes "foram acolhidos como libertadores, apesar do massacre de refugiados a eles atribuído".
(RBN)

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