São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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No meio do caminho, o Ronivon

LUÍS NASSIF

A série de reportagens da Folha -acerca da compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição- deverá trazer desdobramentos profundos na política econômica.
A primeira consequência é que esgarçou-se consideravelmente a credibilidade do governo FHC. Até então, as denúncias de compra de votos caíam no vazio, pela falta de evidências maiores. A partir de agora, qualquer denúncia nova ganhará foro de verdade. É um sentimento que atrapalhará sensivelmente qualquer novo movimento do governo.
O episódio é relevante, aliás, para exemplificar o paradoxo do superpoder, que ocorre em modernas democracias de massa. Sempre que algum poder (de governantes, setores ou empresas) começa a se tornar por demais influente, há um movimento de autodefesa de outros setores, de buscar anticorpos, de favorecer movimentos de erosão desse poder.
No momento em que a emenda da reeleição foi aprovada pela Câmara, o governo pensava que atingia o apogeu, quando na verdade passava a dispor de um enorme calcanhar-de-aquiles.
A segunda consequência será colocar em xeque a estratégia política montada a partir do segundo ano de governo, da ênfase nas concessões fisiológicas para a composição de maiorias.
Até a escalada pela reeleição, mantinha-se a fisiologia relativamente sob controle. Com a ansiedade despertada pela reeleição, o governo ultrapassou os limites da prudência política.
Pouco importa se o inacreditável Ronivon Santiago recebeu o dinheiro do governador do Acre, Orlei Camelli, ou do governador do Amazonas, Amazonino Mendes.
A partir do momento em que deflagrou a disputa fisiológica e passou a negociar com esses governadores promessas de verbas ou do controle da Suframa, o governo federal deu a eles -figuras políticas mais controvertidas da República- o poder de matar, em nome do príncipe, para garantir a maioria, e ter direito às promessas de campanha.
Legitimidade e fisiologia
Ao governo, faltou sensibilidade para perceber que sua legitimidade está ancorada na opinião pública, não no Congresso. O que fez todos os fisiológicos da República buscarem o governo não foram as benesses oferecidas, mas o favoritismo do presidente para as próximas eleições -garantido pelos primeiros resultados das reformas e pelo discurso do não-fisiologismo.
Deputados da própria bancada tucana alertavam para os riscos da deterioração do processo político, se prosseguisse a escalada fisiológica.
A terceira consequência é que o álibi do "processo histórico", que justificava a morosidade na condução das reformas políticas, está definitivamente comprometido.
Mantendo o ritmo atual, o presidente não conseguirá recuperar sua legitimidade perante a opinião pública. Enfraquecido, acabará mais vulnerável às chantagens da fisiologia. Ou recupera o discurso e acelera a ação, ou dificilmente conseguirá fechar as feridas abertas pelas gravações com o deputado Ronivon.
Balanço final
O balanço final desse imbróglio pode não ser tão negativo para as reformas, como se supunha nas primeiras avaliações, dependendo da reação do governo.
De um lado, deixa o governo mais frágil, e os setores fisiológicos aparentemente mais fortes -e mais caros. Mas, ao derrubar o governo de seu pedestal de auto-suficiência, paradoxalmente ajudará a despertá-lo para o sentimento de urgência, fundamental em um momento de franco processo de deterioração dos indicadores externos.
A partir de agora, cada passo, cada concessão política, passará a ser duramente questionado pela opinião pública, levantando obstáculos às demandas da fisiologia.
O desafio pela frente não será fácil. Ainda mais que, com o episódio, o governo perde, por demissão ou por inanição, o ministro Sérgio Motta, um articulador político frequentemente desastrado, mas -enquanto não se meteu tão a fundo na política- a alma do seu ministério, pessoa que ajudou a reduzir o pesado academicismo que marcou o primeiro ano de governo.
Movimentos opostos
Nas próximas semanas, o mercado viverá ao sabor de dois movimentos opostos: o enfraquecimento político considerável do governo, somado à deterioração de indicadores econômicos relevantes, e a inviabilização do processo morno e gradativo de reformas.
Ou o governo parte para a radicalização das reformas -seu único ponto de legitimidade- ou perde definitivamente o bonde. Serão necessários alguns dias para se avaliar adequadamente o tamanho do estrago sobre o governo, sobre o presidente da República e sobre as reformas.

Email: lnassif@uol.com.br

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