São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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OS GARIMPEIROS DA BOLA

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A RORAIMA

O mais novo campeonato profissional de futebol do país nasceu em 1995, em Roraima, depois da morte do sonho de mais de 80 mil homens que pretendiam fazer fortuna garimpando ouro e diamantes nas serras, rios e igarapés do Estado mais ao norte do Brasil.
Ele quer deixar de ser o mais pobre do país para crescer e impor respeito, pelo menos, entre os vizinhos da região amazônica.
Como seus companheiros, o centroavante Gerlan, do Atlético Roraima Clube, não recebe remuneração. Para efeitos legais -agora o campeonato é profissional-, ele ganha salário mínimo (R$ 120).
Quando possível, os dirigentes obtêm ajuda de torcedores empresários para premiar cada jogador com R$ 50. Apesar da pobreza do clube, Gerlan joga com uma pepita de ouro presa a uma corrente.
"É uma lembrança da época em que eu comprava e vendia ouro", diz o atacante. "Consegui comprar moto, carro e casa. Uma vez, cheguei a ver 10 kg (equivalente hoje a R$ 120 mil) de ouro."
O carro, ele já perdeu. Conserva a moto, a casa e o sonho de enriquecer, desta vez no futebol.
Em 1993, passou um mês em testes no Comercial, de Ribeirão Preto (SP), mas foi dispensado. Aos 26 anos, não desiste. "Ainda é tempo de jogar num clube grande."
Pepita
O diretor de futebol do Roraima, Josenildo Feitosa, tentou mas não teve nem a sorte de Gerlan.
Rancho, como é conhecido, vendeu tudo o que tinha em 1988 e lançou-se ao rio Uraricoera, no norte do Estado, em busca de ouro, interrompendo a carreira de goleiro.
Ele não esquece o valor do investimento: o preço de 1 kg de ouro (R$ 12 mil atuais). Foi também o que Rancho conseguiu embolsar puxando areia do rio para esmiuçá-la atrás de gramas valiosas.
Foram meses de trabalho, até que a Polícia Federal pôs fim ao garimpo -ilegal- na altura do Uraricoera onde Rancho operava.
Sem lucro nem prejuízo, ele descobriu o que considera a principal semelhança entre a corrida do ouro e o esporte. "Futebol é como garimpo. O sonho de vencer é de muitos, mas poucos chegam lá."
Gilnei, meia do Baré, o rival maior do Roraima, também arriscou-se no garimpo, mas não deu certo. Ele ainda joga. Para sobreviver, trabalha como eletricitário.
Não há mais os prêmios gordos do auge da apoteose do ouro, quando certos dirigentes, eufóricos, levavam a mão ao bolso e presenteavam os jogadores com a primeira pepita que apanhavam.
'Vida desregrada'
Há seis, sete anos, o Campeonato Roraimense de Futebol era amador -na prática, ainda é.
"O então presidente do Roraima, nos dava 'bicho' em ouro", lembra o zagueiro Kleber, ainda titular do time, aos 39 anos de idade.
Para os jogadores, hoje a chance de fortuna está associada a um passo indispensável: ir embora. Nos últimos dois anos, alguns seguiram para São Paulo, treinando ou jogando no Santos, no Palmeiras e no Sertãozinho.
O Baré fez uma excursão ao Japão, enfrentando times pequenos. Até agora, ninguém vingou. O jogador mais talentoso, na opinião de observadores, fracassou no Santos devido ao que antigamente se chamava de vida desregrada.
"O que mais assemelha o futebol ao garimpo é a dificuldade de o cara ter cabeça para manter o dinheiro", diz o "presidente da comissão técnica" do Rio Negro, César Augusto dos Santos Rosa.
Coronel da Polícia Militar aposentado em abril e ex-comandante da corporação em Roraima, Santos Rosa participou da repressão a vários garimpos ilegais. "Sei do que estou falando."
Seu clube, como a maioria dos seis que disputam o campeonato "profissional", nada paga aos atletas. "A gente procura dar um refrigerante, uma laranja. É a realidade do nosso futebol."

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