São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Um caso brasileiro da síndrome

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

O pediatra Jayme Murahovschi, do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, até hoje se espanta quando se recorda do inédito caso de Síndrome de Munchausen Transferida que acompanhou.
"É assustador quando você ouve muitos médicos dizendo 'eu nunca vi nada igual na minha vida'. Numa hora dessas, você precisa procurar ajuda", diz.
O que se segue é um resumo do artigo com o relato do caso, publicado no "Jornal de Pediatria", assinado por sete dos profissionais que demoraram mais de um mês para descobrir a fraude.
Uma menina de três anos, P., deu entrada no hospital, segundo sua mãe, T., de 27 anos, com sangramento no ouvido direito.
T. relatou que, 40 dias antes, a criança havia sido atropelada por uma motocicleta, com breve perda de consciência e sangramento pela boca, ouvidos, nariz e urina.
A criança passou por um pronto-socorro infantil e dois hospitais, onde foi submetida a dezenas de exames, e teve alta, a pedido da mãe, "porque os médicos não conseguiram detectar a causa de um sangramento repetido no ouvido direito".
No 9 de Julho, a criança foi submetida a uma série de exames de rotina, todos resultando normais, enquanto sangrava pelo ouvido direito duas a três vezes por dia.
Como a causa do sangramento não foi identificada, a menina recebeu parecer de seis médicos de diferentes especialidades e foi submetida a quase 20 exames específicos, todos resultando normais.
Enquanto os médicos lutavam para identificar a causa dos sangramentos, a mãe se esforçava em convocar a imprensa para visitar o hospital, para noticiar o "caso raro" que acometia a sua filha.
A equipe médica começou a suspeitar de fraude quando o otorrinolaringologista tampou o ouvido da criança com algodão e disse à mãe que esse procedimento evitaria a hemorragia -a criança então sangrou pela narina direita.
O médico tampou, então, esta narina com algodão -e ele apareceu manchado de sangue, mas apenas externamente. Na ocasião, também teria ocorrido sangramento pelo olho direito.
Uma enfermeira foi destacada para ficar a noite toda no quarto, mas não acompanhou a mãe quando ela foi dar um banho na criança. Ao sair do banho, a mãe anunciou que o ouvido da criança havia sangrado.
Na noite seguinte, a enfermeira acompanhou melhor a mãe e a criança não sangrou. Na terceira noite, a enfermeira viu quando a mãe retirou do armário um frasco contendo um líquido parecido com sangue e o despejou no ouvido da criança, que dormia. Em seguida, procurou a enfermeira para anunciar o sangramento.
Ao suspeitar que poderia ter sido descoberta, a mãe perguntou aos médicos se eles desconfiavam dela e passou a solicitar alta para a filha.
A fraude foi confirmada por meio de um exame, que comprovou não ser sangue o líquido achado no ouvido da criança.
Enquanto isso, a mãe aceitou ser entrevistada por um psiquiatra, mas não retornou à consulta marcada -e desapareceu.
"Fomos um pouco ingênuos. Achamos que ela iria voltar e ela escapou", reconhece o pediatra Jayme Murahovschi.
"O perigo é que, quando são descobertas, essas mulheres mudam de freguesia", acrescenta.
(MSy)

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