São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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O flagrante de um distúrbio

MAURO MARCELO DE LIMA E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sabe-se que as agressões e violências praticadas contra as crianças são fatores predisponentes na cadeia criminológica, que os levam, quando adultos, a praticarem crimes. O Departamento de Justiça Norte-Americano, por intermédio da Unidade de Ciência Comportamental do FBI (Federal Bureau of Investigation), tem dado especial atenção às agressões e maus tratos contra crianças, sejam elas de qualquer natureza.
Uma das mais estranhas e obscuras formas de agressão contra crianças é a "Munchausen Syndrome by Proxy", ainda sem tradução para o português, mas que poderíamos chamar de Síndrome de Munchausen Transferida, a qual envolve abuso físico de longo prazo, geralmente por parte dos pais. É um distúrbio psiquiátrico reconhecido pela Associação Americana de Psiquiatria, descrevendo-a como sendo "produção intencional de sintomas físicos".
A Síndrome de Munchausen Transferida (SMT) é uma forma de abuso de crianças em que o agressor cria uma doença imaginária no menor, conduzindo-o para assistência médica. Geralmente, o pai ou a mãe relatam aos médicos que não há uma causa aparente para a doença, já sabendo que essa atitude, provavelmente, provocará a hospitalização da vítima para exames ou observação, e é durante esse período de internação hospitalar que o abuso é identificado e flagrado.
Em outros casos recentes de SMT informados nos Estados Unidos, uma mãe injetou na veia da criança material fecal e, em outro caso, a mãe sufocou e reviveu a criança por repetidas vezes, durante o período de hospitalização.
Os sintomas de SMT são mais facilmente reconhecíveis quando a criança atinge um ano de idade. Contudo usualmente não é diagnosticada até que a criança tenha cerca de três anos, sendo, assim, elevado o índice de mortalidade por esse tipo de abuso. Em casos severos de SMT, o pai ou a mãe lesam ou machucam verdadeiramente a criança, a fim de criar sintomas de uma doença.
Os agressores sempre são os pais, na maioria das vezes, a mãe. Existem relatos, entretanto, de casos em que a agressão parte de pessoa não-pertencente à família.
Os agressores sempre se mostram calmos diante dos sintomas apresentados pela vítima, além de receberem com naturalidade a realização de exames que causem dor ou sofrimento, demonstrando ainda admiração pelo pessoal médico e amplo conhecimento sobre medicamentos e a doença da vítima.
A teoria mais aceita para esse comportamento é a de que os agressores sentem satisfação emocional ao hospitalizarem seus filhos, pois recebem atenção e "feed back" do corpo médico, com informação e conforto.
Mesmo em países de Primeiro Mundo é difícil colher provas para que se possa processar os agressores. A fim de provar os abusos, têm sido usadas, com sucesso, pela polícia dos Estados Unidos, microcâmeras de vídeo, que são ocultas em quartos de hospitais em que as vítimas de SMT são internadas. Essas câmeras acabam por flagrar os agressores em ação, servindo ainda as imagens como prova de agressão. As autorizações judiciais, nesses casos, são sempre concedidas, omitindo-se apenas o som, para não haver conflito com o direito à privacidade assegurado na Constituição norte-americana.
Embora a SMT seja reconhecida internacionalmente pela comunidade médica e instituições policiais, ainda é pouco conhecida no Brasil, onde raros casos médicos foram reportados, e completamente ignorada na área policial.
Os possíveis casos são inicialmente identificados em consultórios médicos e hospitais; portanto é imprescindível a imediata comunicação para as providências de caráter policial, a fim de que esses comportamentos, claramente definidos em países de Primeiro Mundo, sejam, aqui no Brasil, identificados e reprimidos.

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