São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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O que diz a filosofia

HÉLIO SCHWARTSMAN

O arrebatamento da paixão turva o pensamento, a ponto de levar amantes aos piores enganos ou crimes? Quem os tenha cometido deve ser punido ou tratado psiquiatricamente?
Do ponto de vista filosófico, quem não responde à questão, ainda que lhe lance luzes de forma magistral, é Gérard Lebrun em "O Conceito de Paixão". Haveria basicamente duas vertentes de encarar o elemento passional: uma aristotélica e outra estóica.
Para o célebre filósofo grego, embora a paixão seja constitutiva da natureza humana, cabe ao homem, pela educação, não reprimi-la, mas usá-la de forma sábia e equilibrada. A corrente estóica (linha que prega uma espécie de ideal de realização obtido por meio de rígida disciplina), pelo contrário, prega a completa neutralização da paixão em nome de uma sabedoria de ordem superior.
Historicamente, foi só a partir do século 18 -e inspirados no Romantismo- que hábeis advogados conseguiram impor a tese de que uma pessoa, sob impacto emocional, não seria completamente responsável por seus atos. A paixão arrebata e obnubila. Consolida-se assim a idéia, já prenunciada pelos estóicos, de que o estado passional é como uma doença, cujas consequências seriam objeto de cuidados clínicos antes de assunto do direito penal.
Essa tese firmou-se depois da intervenção do direito positivo e, com mais força, pelo desenvolvimento da psiquiatria contemporânea. Sem pretender opinar sobre casos específicos, a indagação sugerida por Aristóteles ainda faz sentido. Se todos estão sujeitos aos possíveis destemperos impostos pela paixão, e boa parte consegue equacioná-los de forma civilizada, aquele que se deixa arrebatar não tem culpa? Ou, plagiando Lebrun, que cita Jules Romains: "Todo homem com saúde é um doente que se ignora?".

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