São Paulo, domingo, 18 de maio de 1997
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Grisalhos turbinados

LAVÍNIA FÁVERO

Idosos descobrem a vida depois dos 50 e fazem passeios, cursos e até viram manequins
"Professor, nós não vamos aprender a cantar aquela música da Madonna hoje?"
A reclamação vem de Yvone Leite Penna, que junto com Dulce Pizoli, Aurora Junqueira, Bemvinda Motta, Inês Procopiuk e Lourdes de Carvalho Castro -todas "na faixa dos 60 anos"-, é aluna de uma turma especial de inglês para a terceira idade.
Mesmo estando naquele estágio da vida em que muitas senhoras nem pensam em sair de casa, elas fazem parte de um grupo que, após os 50 anos, resolveram estudar -ou nadar, dançar, cantar e até virar modelo-, sem se importar com as eventuais dificuldades que isso possa apresentar.
Dulce resume: "Estamos aqui por prazer. Nessa idade, a gente tem o direito de fazer o que quiser".
No curso de inglês, elas confessam sentir dificuldades. Inês, que trabalha como voluntária em uma creche, tem filhos morando na Austrália. Quando telefona para eles, só consegue dizer "hello".
Aurora, que tem filhos nos Estados Unidos, dá uma receita divertida para vencer a barreira: "Eu vi na televisão que, colocando os cadernos por um tempinho no microondas, eles liberam energias que facilitam o aprendizado". Yvone retruca, com bom humor: "No nosso caso, acho melhor colocar logo a cabeça no micro!"
Elas reclamam, mas, até agora, ninguém pensa em abandonar o curso, que já dura três semestres.
Diversão e arte
Terezinha Domingues, 68, coordena um curso de atualização, no qual 35 mulheres com idades entre 40 e 80 anos estudam literatura, psicologia, história universal, história da arte e fazem dinâmicas de grupo. Elas se reúnem todas as quintas-feiras no estúdio de um dos professores. Quando o mês tem mais de quatro quintas-feiras, elas agendam palestras com convidados sobre assuntos diversos.
"Nossa finalidade é estarmos conscientes do que está acontecendo no mundo", explica. "Podemos chegar a uma reunião, jantar e comentar um filme que vimos ou um livro que lemos, ou, pelo menos, saber ficar caladas para não dizer bobagem."
Para Terezinha, nada pode ser mais triste do que "aquelas senhoras que passam o tempo todo falando dos netos, da empregada ou da novela que está passando".
Terezinha, no entanto, diz compreender essa "falta" de assunto: "Mulher no meu tempo casava para ser dona-de-casa, constituir família, cuidar dos filhos e atender o marido. No final do dia, era impossível ter vontade de ler. O que você queria mais era cama".
Livre do compromisso com os filhos, que já cresceram, ela resolveu investir em si mesma. "A gente precisa se reciclar, se inteirar do que está acontecendo e ser simpática para que os jovens gostem de conversar conosco."
Uma das mais importantes conquistas trazidas por essa "reciclagem" é deixar de depender do telefonema dos filhos. "Cada um tem a sua vida. Eu tenho procurado ter a minha", ensina.
Outra coisa que Terezinha acha "triste" é começar qualquer frase com a expressão "No meu tempo...". "O meu tempo é agora, já que continuo vivendo e participando de tudo o que acontece ao meu redor", diz.
Trabalho em grupo
Continuar vivendo significa mais do que tudo se sentir produtivo, seja tendo aulas de literatura, aprendendo a pintar ou fazendo alguma atividade física -de preferência, em grupo.
As donas-de-casa Clara Godoy e Wally Mantoanelli fazem ioga há um mês no espaço Vila das Artes, criado pelas psicólogas Amarilis Velloso Maradei e Arlène Dib Leardi para atender pessoas com mais de 40 anos com vários tipos de cursos.
Mais do que pela atividade física, Clara e Wally dizem se sentir felizes por estarem em contato com pessoas da sua faixa etária.
"Às vezes passo várias horas aqui, lendo, conversando e comendo um lanchinho. Desde que comecei, noto que estou bem mais animada", conta Wally.
Amarilis e Arlène dizem ter criado o espaço logo após terem feito um curso de gerontologia, exatamente para isso: "Queremos que essas pessoas se divirtam, principalmente junto de outras da mesma faixa etária. São pessoas que já viveram bastante e sabem o que é bom. São exigentes e não é fácil enganá-las", conta Arlène.
Aracy Rizzo e Eneida Faria Peres, também donas-de-casa, começaram em outubro a fazer dança de salão. As duas falam com muita animação da nova atividade: "Criamos uma alma nova, deixamos de ser tão paradas", diz Eneida.
Aracy conta que, no último casamento em que foi, ela e o marido chamaram a atenção dos convidados dançando juntos: "Fizemos sucesso", diz. Eneida brinca: "O lema do nosso professor é 'água mole em pedra dura tanto bate até que fura'. Acho que esse é o nosso lema também".
Já a pintora Dilza Lebre Rodrigues, 52 anos "bem vividos", entrou em março para a era da informática. Interessada no que as novas tecnologias possam trazer à sua profissão, começou a estudar Windows 95 e está adorando.
"Não saber mexer em um computador hoje em dia é a mesma coisa que não saber ler. E eu adoro ler", conta. As filhas, que ainda moram com ela, a estimulam e se sentem orgulhosas. "Até ganhei um CD-Rom sobre museus de presente", comemora.
Mais do que aproveitar as facilidades da modernidade, Dilza acredita que esse é o caminho para se entender com os mais jovens: "Não dá pra ficar agarrada a conceitos ultrapassados. Os jovens de hoje fazem quase tudo por meio do computador, e eu quero compreendê-los".
Sílvia Taliba Davy, 35, ensina há um ano informática apenas para essa faixa etária e se diz impressionada com o ritmo das aulas. "Eles estão aqui porque querem, porque têm vontade de aprender. É bem diferente de dar aulas para adolescentes, que só fazem o curso porque os pais mandaram."
Meninas
"Aqui, quem está falando é uma das meninas." As irmãs gêmeas Jacy e Iracy Pasqualino, 69, contam que muitas pessoas que ligaram para sua casa riram ao ouvir essa mensagem na secretária eletrônica. As duas, que fazem parte do grupo de modelos de terceira idade formado por Jayr e Marisa Silva Carvalho, Luís e Cecília Martins, Vanda Padovan, Margot Bisatto, Valquíria Jorge, José Inocêncio, Egídio Barbulho e Joanna Ticani Leiria, realmente encaram a vida como meninas: estão sempre dispostas a rir, dançar e passear.
"Uma vez, a Iracy foi viajar e eu dei uma entrevista. Só que me esqueci e disse minha verdadeira idade. Ela quis me matar", conta. A idade não preocupa Joanna, a líder do grupo, que tem 72 anos.
"Tenho orgulho de dizer que vivo há tanto tempo e continuo atuante. Minhas netas dizem que querem ser iguais a mim quando tiverem a minha idade", afirma.
O grupo está junto há seis anos. Tudo começou com um curso de manequins para a terceira idade promovido pela Secretaria Estadual de Esporte e Turismo. Joanna, que sempre quis ser modelo, teve a oportunidade de realizar seu sonho: "Eu era magrinha, mas não tinha muita altura. Trabalhei a minha vida inteira com moda, no meu ateliê de alta costura, mas sempre quis desfilar".
Durante o curso, que durou um ano inteiro, Joanna foi selecionando os colegas com quem mais se afinava para formar um grupo. Hoje, ela diz que eles são capazes de se entender apenas com um olhar. "O bonito é que trabalhamos como irmãos, não temos rivalidades."
Com vários desfiles no currículo, eles comemoram a nova profissão e garantem: "Tudo o que nós mostramos vende -e muito".

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