São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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Teto dos juros: regulamentar ou extinguir?

MAILSON DA NÓBREGA

O teto dos juros inscrito na Constituição de 1988 é uma asneira econômica sesquipedal. O Brasil foi o primeiro e único país a tornar mandamento constitucional um limite anual de 12% para a taxa real de juros.
De nada adiantaram os alertas da época. Os autores da proposta transformaram o tema em verdadeira cruzada, para "pôr um fim à ganância dos banqueiros". Julgavam-se investidos da missão de assegurar juros camaradas para todos.
O então deputado José Serra, relator da matéria na respectiva comissão temática, não acolheu a proposta. Nessa parte, entretanto, ele foi derrotado em plenário por um destaque de votação em separado, o qual foi aprovado por sólida maioria.
A insólita decisão acarretou enorme tensão. Não satisfeitos em arrasar o regime fiscal (ainda hoje doentio), os constituintes retiravam também do governo o mínimo para gerir a economia. A situação, já grave, poderia ficar insustentável.
No início de outubro de 1988, propus ao presidente Sarney reunir um grupo de ministros para avaliar as consequências do desatinado dispositivo e estabelecer uma estratégia para lidar com os possíveis riscos.
Na ocasião, o consultor-geral da República, Saulo Ramos, sustentou que o dispositivo dependia de regulamentação. Seu parecer, aprovado pelo presidente, sobreviveu a todos os embates e ganhou o beneplácito do Supremo Tribunal Federal.
Poucos textos foram tão importantes na vida do país. O Plano Real dificilmente teria vencido seus mais duros desafios se o governo não pudesse levar o sistema bancário à prática de juros reais acima dos 12%.
A ausência da regulamentação fez do teto letra morta até agora. O ideal seria esperar até que a maioria da classe política se convencesse da estupidez da norma.
Sucede que o STF, embora entendendo que o dispositivo não é auto-aplicável, determinou ao Congresso que procedesse à sua regulamentação. Isso pode acontecer por meio do projeto de lei complementar nº 47, de 1991, ora sob exame na Câmara.
Por sorte, o assunto caiu nas mãos de um parlamentar sensato e bem informado, o deputado Saulo Queiroz. Seu parecer, de 13 deste mês, abrange todo o artigo 192 da Constituição e não apenas o seu parágrafo 3º, o tal do teto.
O texto é um dos mais competentes dentre os vários já produzidos no Congresso sobre a matéria. Inclui uma visão moderna da autonomia do Banco Central e aborda adequadamente vários outros aspectos do tema.
Por sua coerência, o parecer é contraditório na questão dos juros. O deputado apresenta argumentos convincentes contra o tabelamento, manifesta-se contrário à estultice, mas se diz obrigado a propor sua regulamentação diante da decisão do STF.
A saída para o impasse é inteligente. O teto seria a soma dos juros de 12% e do custo básico de captação, fixado trimestralmente pelo Banco Central. Não incluiria os impostos, as contribuições sociais incidentes sobre a operação nem os juros de mora.
Estariam excluídas as operações contratadas em moeda estrangeira, "uma vez que não pode o direito pátrio se superpor ao direito alienígena na definição de seus contratos quando de financiamentos oferecidos por instituições domiciliadas fora do Brasil".
O esforço para contornar o nefasto limite é louvável, mas suponho que em vão. Por exemplo, é mesmo incrível tentar limitar os juros de empréstimos obtidos em outros países, mas infelizmente é isso mesmo que está na Constituição.
Dificilmente se sustentaria nos tribunais a fórmula sutil de considerar o custo de captação como indexador para o cálculo da taxa real de juros. Os juízes não devem aceitar algo diferente da variação de um determinado índice de inflação.
Mesmo que a alternativa do deputado fosse viável, restaria a dificuldade de fixar a taxa de captação, a qual, como se sabe, é função, em cada caso, do volume de aplicação, do seu prazo e do risco da instituição financeira depositária dos recursos.
Além disso, o Banco Central ficaria impedido de defender a estabilidade da moeda, caso isso implicasse a necessidade de aumentar os juros para além do limite legal. Em um país em transição como o nosso, essa necessidade será frequente ainda por muito tempo.
O melhor seria que o Congresso acolhesse os argumentos do deputado Saulo Queiroz e, a partir deles, adotasse a única solução responsável: revogar, por ser prejudicial ao país, o dispositivo constitucional que limita a taxa de juros.

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