São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997 |
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Allen torna musical gênero de gente frágil
INÁCIO ARAUJO
Como que para deixar bem clara essa intenção, boa parte de "Todos Dizem" se passa em Paris (uma obsessão tão tipicamente americana quanto o filme musical). Mas, atenção, nem tão típico assim. Os cantores parecem, não raro, amadores. A coreografia, precária. Há algo de desandado nisso tudo, como uma história que se repete como farsa. Aliás, a narradora do filme deixa isso bem claro logo no início. A história a ser contada é a de uma família americana. Mas não uma família como nos acostumamos a ver nos musicais. São ricos e moram em Nova York. O pai é um advogado liberal. A mãe é uma socialite mais liberal ainda. Corrigindo, aquele a quem ela chama de pai (Alan Alda) não é pai. É padrasto. Os irmãos são meio-irmãos. É uma segunda família, de um segundo casamento. O pai verdadeiro (Woody Allen) é um escritor que mora em Paris e vive batendo cabeça com suas mulheres, que invariavelmente o abandonam. Já por aí dá para sentir o clima em que Allen mergulha seus espectadores. Existe uma evocação do passado -o tempo dos musicais da Metro-, mas algo está desarranjado, caótico. Os conflitos são, em suma, os mesmos -busca de amor e realização pessoal. Mas as pessoas mudaram. E junto com as pessoas (conteúdo), muda também a forma. Se estamos agora diante de um musical sem a voz de Frank Sinatra, o balé de Cyd Charisse, ou a coreografia de Gene Kelly, é porque eles expressavam um mundo que se acreditava sólido. Hoje, as pessoas, os sentimentos e as coisas são voláteis. O musical torna-se, assim, um gênero de pessoas frágeis, quebradiças, às voltas com psicanalistas, neuroses, conflitos, discussões políticas, instabilidades de vários tipos. Daí o sucesso do filme. Não necessariamente sucesso de bilheteria. Allen supera aqui problemas de alguns de seus filmes anteriores, em que a evocação do passado ficava no meio do caminho, exprimindo uma mera nostalgia em relação aos velhos tempos -o exemplo mais claro talvez seja "Radio Days" (1987), que nas primeiras sequências parece que vai ser de arromba e depois murcha. Ao mesmo tempo, Allen parece superar a fase pedante que coincide, em linhas gerais, com seu casamento com Mia Farrow. Diante do musical, Allen parece aderir à máxima de Rogério Sganzerla em "O Bandido da Luz Vermelha": quem não pode fazer nada, avacalha. Há um descompromisso e uma liberdade que fazem lembrar, mais do que nada, o início de carreira de Woody Allen, filmes como "Um Assaltante Bem Trapalhão" (1969), ou "Bananas" (1971), quando ainda não era uma vaca sagrada. A diferença entre a fase atual de Allen e a primeira é que o autor nova-iorquino agora não tem nada a provar a ninguém. Filma com prazer aquilo que lhe dá prazer. Em vez da buscada e rebuscada "profundidade" de outros tempos, dedica-se a variantes de seus temas de sempre. E elas são especialmente interessantes, quando confrontam a maneira de sentir a vida que aprendeu (vendo os velhos musicais, por exemplo) e a forma como as coisas se manifestam no presente. É nessa brecha que "Todos Dizem Eu Te Amo" se instala de maneira muito feliz, embora nem sempre os personagem o sejam. Filme: Todos Dizem Eu Te Amo Produção: EUA, 1996 Direção: Woody Allen Com: Goldie Hawn, Woody Allen, Alan Alda, Drew Barrymore Quando: a partir de hoje, nos cines Metrópole, Belas Artes - sala Villa Lobos, Espaço Unibanco 1 e circuito Texto Anterior: Suspense previsível invade Casa Branca Próximo Texto: Neonazista frequenta divã judeu em filme sueco Índice |
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