São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 1997
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Você sabe com quem está falando?

PEDRO DALLARI

A pergunta do título deste artigo é a resposta frequentemente adotada por autoridades -pretensas ou reais- que querem se eximir de obrigação que lhes é imposta por lei.
Surpreendentemente, tal pergunta/resposta foi a essência da argumentação utilizada pelo professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, em artigo publicado nesta Folha (22/5), para atacar, de maneira ácida, requerimento que, na condição de deputado, apresentei na Assembléia Legislativa de São Paulo.
Trata-se do requerimento de informação nº 1.560/97, por meio do qual, respaldado em prerrogativa que me é assegurada pela Constituição federal e pela Constituição paulista, formulei ao governo do Estado uma série de indagações acerca das atividades desenvolvidas pelo Instituto Butantan, ente vinculado à Secretaria da Saúde.
Ressalve-se que a pergunta/resposta do professor Cerqueira Leite não foi utilizada em causa própria, mas sim para contemplar o professor Isaias Raw, que tem estado à frente do instituto nos últimos anos.
Sem nem sequer abordar o conteúdo do requerimento de informação, alega o professor Cerqueira Leite, fundamentalmente, ser descabida e ilegítima minha iniciativa, por ser o professor Raw pessoa das mais altas qualificações, com longa folha de serviços prestados ao país, e que, apesar disso ou por causa disso, foi vítima de perseguição implacável no período da ditadura militar.
Abro aqui um parêntese para manifestar meu amplo conhecimento sobre o execrável processo persecutório desencadeado pelos governos militares contra a comunidade científica.
Ainda menino, na década de 1960, vivenciei o drama de meus tios-avós Olga Bohomoletz Henriques e Sebastião Baeta Henriques, pesquisadores de atuação marcada por vínculos profundos com o Butantan, que, com o exílio, pagaram um alto preço por força de suas convicções comunistas.
Entendo, no entanto, que um atestado de boa conduta como o lavrado pelo professor Cerqueira Leite em favor do professor Raw -por mais méritos que tenham autor e beneficiário do atestado- não pode servir de pretexto para dispensar uma autoridade pública de prestar ao Parlamento informações públicas a respeito de um órgão público, que se utiliza de recursos públicos e congrega servidores públicos visando o interesse público.
Pelo contrário: até em nome da coerência democrática, a obrigação permanente que tem a autoridade pública de prestar esclarecimentos deveria ser exercida com empenho e naturalidade ainda maiores por aqueles que se notabilizaram pela luta em prol do Estado de Direito.
Como o professor Cerqueira Leite, ao fustigar o requerimento de informação de minha autoria, julgou e condenou ("extenso besteirol", segundo seu artigo), mas não divulgou os termos do documento, a bem da verdade e a fim de que o leitor possa tomar conhecimento dos supostos motivos da ira contra este deputado, sumarizo, a seguir, as questões relativas ao Instituto Butantan que apresentei por via de expediente parlamentar:
1) Quais as razões que levaram ao aterramento dos lagos existentes na área do instituto? 2) Quais os motivos que fizeram com que três toneladas de livros e periódicos pertencentes ao acervo da biblioteca do instituto fossem destinados ao fundo de solidariedade do governo do Estado para a reciclagem do papel? 3) Quais as dificuldades existentes para o funcionamento do hospital Vital Brazil? 4) Quais as alterações verificadas recentemente no estatuto que rege o instituto e quais as justificativas para as mudanças? 5) Qual a situação do projeto voltado à obtenção de insumos (albumina e outros) a partir de placentas humanas? 6) Por que foi desativada a linha de produção da vacina "antiinfluenza"? 7) Por que o instituto produz apenas uma das sete variedades do soro antibotulínico? 8) Qual a situação atual da produção de vacina tríplice? 9) Qual a razão para a alocação de um rebanho equino na área do instituto? 10) Quais as implicações jurídicas decorrentes do fato de o diretor do instituto se encontrar em situação legal de aposentadoria compulsória?
Publicado no "Diário Oficial" do Estado de 29/4/97, o requerimento de informação, até o presente momento, não foi respondido à Assembléia Legislativa pelo governo do Estado. Tal demora não se justifica, pois a maior parte das questões nele tratadas é de conhecimento público e já mereceu apreciação por parte da imprensa, inclusive desta Folha, de cujo Conselho Editorial é integrante, coincidentemente, o professor Cerqueira Leite.
Feitas essas considerações, que me parecem necessárias em face da virulência da manifestação do professor Cerqueira Leite, manifesto minha total falta de interesse em participar de qualquer litígio estranho à objetividade das indagações constantes do requerimento de informação. Reservo-me o direito de aguardar o recebimento da resposta ao meu questionário para, aí sim, tomar a iniciativa de divulgá-la e debatê-la.

Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari, 38, advogado e mestre em direito internacional pela Universidade de São Paulo, é deputado estadual (sem partido) em São Paulo.

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