São Paulo, sábado, 24 de maio de 1997
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Imposição ética

JOSÉ MACHADO

Muito pelo contrário. O que pode paralisar o país é o fato de o governo e o Congresso Nacional estarem sob suspeição e procurarem evitar a investigação efetiva das denúncias. É uma situação grave, que não deve perdurar, sob pena de comprometer a credibilidade das instituições políticas democráticas.
A CPI é o instrumento previsto pela Constituição precisamente para situações como essa. Criá-la é uma obrigação do Congresso, que tem a atribuição constitucional de zelar pela ética no trato da coisa pública.
O resto é mera tergiversação, com o lamentável objetivo de inibir o exercício da função fiscalizadora do Congresso. O que, aí sim, é uma forma de paralisá-lo.
O Congresso está aparelhado para exercer simultaneamente todas as suas atribuições constitucionais, e não é cabível supor que o exercício de uma impeça o exercício de outra. Basta ver que a CPI dos Precatórios não paralisou o Senado.
Na Câmara, o que atrasa as votações é o estupor político do governo, que, por temer a apuração da denúncia de que a reeleição caminha à base de lotes de 200 dinheiros, encontra mais dificuldades para mobilizar sua base. E é por isso que a maioria governista vem frequentemente obstruindo as votações.
A emenda da reeleição, essa sim, deveria ter sido paralisada. É inconcebível que o Senado a tenha votado como se nada houvesse acontecido. Uma coisa é a reeleição ser aprovada pela consciência livre dos congressistas. Outra é a Constituição ser conspurcada pelo vexame do tráfico de votos. Ou será que tanto faz as votações no Congresso serem ou não compradas?
A CPI não é bandeira da oposição. É uma imposição ética, assim compreendida por dezenas de deputados da base do governo. E o respeito à ética, longe de paralisar o país, é condição para o seu bom funcionamento, na medida em que libera as energias sociais, garante a confiança no governo e tranquiliza os agentes econômicos. Por outro lado, não apurar a denúncia equivale a deixá-la sob ebulição comprimida, gerando uma crise permanente.
Além disso, não se pode esquecer que a suspeição pesa também sobre o ministro Sérgio Motta, que está no comando do processo de privatização do setor de telecomunicações. Como poderá o ministro dar sequência ao processo, de bilhões de dólares, sem que antes sejam esclarecidas as denúncias?
Se os rumos da apuração trouxerem desgaste político ao governo, esse será o ônus político a pagar. Há momentos na vida de uma nação em que é preciso ter coragem de enfrentar o mal. Pior é esconder o entulho debaixo do tapete, pois o desgaste será certamente maior e mais prolongado, prejudicando de modo decisivo a capacidade de diálogo do governo com a sociedade.

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