São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Basta de baderna

JANIO DE FREITAS

Os que reencontraram no discurso de Fernando Henrique Cardoso a oratória dos generais da prepotência, como aconteceu ao respeitável democrata Pedro Simon, tenham paciência para o aplauso, aqui, ao trecho mais amilicado da inflamação presidencial. É aquele em que, à maneira do seu antecessor que dizem ter gritado "Independência ou Morte", Fernando Henrique lança o seu brado imperioso: "Basta de baderna".
Perfeito. "A sociedade brasileira exige um basta a esse clima de baderna, a sociedade não quer a desordem", é a síntese que o presidente, no uso da sabedoria própria dos sociólogos, faz repulsa nacional aos fatos atuais. Perfeito mesmo. "Basta da baderna" com que a ambição de reeleger-se conspurca as instituições, pelos variados métodos de compra de parlamentares e mesmo de alas partidárias inteiras. Se não houver um basta nesse processo corrupto, nada sobrará dos alicerces de democracia iniciados depois de quase um quarto de século de autoritarismo sem disfarces.
"A sociedade não quer a desordem" provocada e praticada pela hipocrisia dos que dizem que "qualquer suspeita de corrupção deve ser investigada a fundo", para que "tanto os corruptos como os corruptores sejam exemplarmente punidos", mas mobilizam todo o seu estoque de recursos baixos para impedir investigação verdadeira, como poderia ser a de uma CPI.
A sociedade sabe que só obstrui investigações quem tem o que esconder e a quem proteger, mas por isso mesmo não suporta mais "esse clima" expresso em outra frase de Fernando Henrique: "Tenho sido paciente e tolerante (...), mas o limite da paciência e tolerância é a democracia". Na verdade, não é bem tolerância ou paciência, é uma associação na partilha do poder, como se fossem os bens materiais também partilhados, que permite a Sérgio Motta o uso irrestrito dos seus métodos preferidos.
Também não é exato que "o limite da paciência e tolerância" de Fernando Henrique seja a democracia. Não, o próprio discurso irado evidencia que o limite é a divulgação de fatos que o presidente e seus associados no usufruto do poder não querem ver investigados.
Por falar nos associados, não só a inflamação presidencial retomou vocabulário e eloquência típicos dos generais da ditadura. Um dos convivas daquele regime, Antonio Carlos Magalhães, não se sentiu tolhido pelo título de presidente do Congresso diante da oportunidade de invocar "a segurança nacional" contra o coordenador do movimento dos sem-terra João Pedro Stedile. Talvez tenha ficado mais fácil entender o ressurgimento de cartazes enormes, iguaizinhos aos do passado, com o slogan "Ame-o ou deixe-o", antes dados como outra idiotice, esta apenas e supostamente promocional, do filme "O que é isso, companheiro?".
Não há motivo para preocupações maiores, no entanto. Porque, como diz o general, perdão, o presidente, "nosso país tem rumo", o mesmo, como se tem visto, que já vai completar cinco séculos. E "tem um governo que diz o que pensa", mas, seja assim ou não, com certeza não faz o que diz.

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