São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Governante não precisa deixar cargo

Emenda rejeita exigência

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente, os governadores e os prefeitos não precisarão deixar os seus cargos com antecedência para disputar a reeleição, segundo a maioria dos especialistas no assunto ouvidos pela Folha.
A emenda da reeleição aprovada em primeiro turno no Senado não faz qualquer menção à renúncia do mandato. De acordo com advogados, essa exigência não poderá ser feita por lei complementar.
O único caminho para estabelecê-la é a aprovação de outra emenda constitucional ou a alteração da que está no Senado, dizem.
O governo quer evitar essa última alternativa, porque ela implica a volta da emenda para a Câmara.
Para aprovar a reeleição no Senado, líderes governistas usaram o argumento de que uma lei complementar estabelecerá a necessidade de afastamento do cargo para governadores e prefeitos.
Pelo menos 40 senadores são candidatos nas próximas eleições e não querem enfrentar adversários que estarão no exercício de mandatos de governadores.
A saída apontada pelos governistas é considerada inconstitucional por vários especialistas.
"Seria flagrantemente inconstitucional colocar em lei a exigência da renúncia", diz o professor de direito administrativo da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Carlos Ari Sundfeld.
Contradição
O problema ocorre porque a emenda da reeleição modifica apenas o parágrafo 5º do artigo 14 da Constituição, segundo o qual são inelegíveis, "para os mesmos cargos, no período subsequente", o presidente da República, os governadores e os prefeitos.
Com a aprovação da emenda, essa proibição deixará de existir.
Mas o parágrafo 6º continuará a ter a mesma redação. Segundo esse dispositivo, os detentores de mandatos executivos devem renunciar seis meses antes da eleição "para concorrerem a outros cargos".
Isso significa que o presidente precisará se afastar se for candidato a senador, mas não se for disputar novamente a Presidência.
"Por se tratar de uma restrição de direito, o parágrafo 6º tem de ser interpretado de forma restritiva", afirma o professor de teoria geral do Estado da USP (Universidade de São Paulo) Dalmo Dallari.
Segundo ele, uma exigência de renúncia que não está na Constituição não poderá ser estabelecida por lei complementar.
A mesma posição é defendida pelo professor de direito constitucional da PUC-SP Antônio Carlos Mendes. "Como não há restrição expressa ou que resulte do sistema jurídico, os candidatos poderão continuar em seus cargos."
O professor de hermenêutica jurídica da Universidade Federal do Ceará Valmir Pontes Filho concorda que a lei não poderá exigir a renúncia. "Se a Constituição não veda a continuidade no cargo, como é que a lei vai vedar?"
Meio-termo
Celso Bastos, professor de direito constitucional da PUC-SP, discorda em parte de seus colegas. Bastos afirma que a emenda, como está, não exige a renúncia. Mas admite que ela poderá ser prevista em lei complementar.
Segundo ele, a Constituição permite que lei complementar estabeleça casos de inelegibilidade não previstos em seu texto.
Dallari afirma que esse dispositivo não se aplica ao caso. Em sua opinião, a exigência da renúncia não é um caso de inelegibilidade, mas sim uma condição para a candidatura em determinados casos.
O advogado Rui Celso Reali Fragoso, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, defende a necessidade de desincompatibilização. Em sua opinião, esse é o espírito da Constituição.
Fragoso acredita que o presidente Fernando Henrique Cardoso correrá o risco de se tornar inelegível caso não deixe o cargo para disputar a reeleição.

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