São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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FFHH não viu a baderna tucana; Renúncia preventiva; Golpe cambial; EREMILDO, O IDIOTA; Uma grande aula sobre o mito do otimismo; O jurismatuto ficou na vaga do jurisconsulto; Deu curto na privatização elétrica de SP; Márcio Thomaz Bastos; Canela Light; Mário Alencar

ELIO GASPARI

FFHH não viu a baderna tucana
O discurso da baderna, feito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso na quinta-feira, é um caso de louvação da ordem a partir da desordenados fatos. Dois acontecimentos devem tê-lo estimulado a dar um basta à baderna. Primeiro, a invasão do gabinete do ministro do Planejamento, Antonio Kandir, por lavradores e animais, entre eles um peru. Depois, os acontecimentos de Sapopemba, em São Paulo, onde três cidadãos foram assassinados durante uma grotesca operação da PM. Não foram os únicos casos de desordem, são os mais recentes.
Quem foram os baderneiros da invasão do gabinete de Kandir? Militantes do movimento Grito da Terra, liderados pelo presidente da Contag, Francisco Urbano. Quem é Francisco Urbano? É um tucano. Nas palavras do presidente da República, é um "líder" preocupado com o "aperfeiçoamento das estruturas capazes de lidar com a questão agrária". Tão capacitado que foi convidado para o cargo de ministro da Reforma Agrária.
Passou-se mais de uma semana e não há notícia de que Urbano tenha sido repreendido ou que se tenha pensado em processá-lo (pelo que fez, não pelo que disse). Ao deixar a mesa de Kandir com seus bichos, informou: "Desocupamos o ministério, mas vamos voltar a ocupar agências bancárias, propriedades e prédios públicos se não houver uma resposta concreta do governo".
O que houve em Sapopemba? Favelados sem liderança (ou, na melhor das hipóteses, estimulados por um vigarista) ocuparam durante 17 dias um conjunto habitacional. O governador Mário Covas e sua polícia tiveram 16 noites para planejar o despejo das 400 famílias. Na segunda-feira, o aparelho de defesa da ordem paulista mandou a Sapopemba uma tropa inepta e despreparada. Essa brincadeira custou três vidas, mas até agora ninguém foi responsabilizado pela decisão de se deixar o batalhão de choque no quartel. Para quem não gosta de invasores e acha que esse tipo de coisa deve ser resolvida à bala, é sempre bom lembrar que a primeira tropa da PM foi posta a correr. A polícia é paga para não correr e para não matar. Pois, por despreparo e falta de chefes capacitados, fez as duas coisas. Isso não é "clima de baderna". É desordem mesmo.

Renúncia preventiva
Há uma sólida razão para se supor que o governador Paulo Afonso Vieira, de Santa Catarina, venha a renunciar ao mandato. Pressionado por um processo de impedimento na Assembléia Legislativa, ele sabe que, mesmo escapando, dificilmente se reelege. Se ficar no cargo até o último dia do mandato, fica os quatro anos seguintes sem qualquer tipo de imunidade.
Renunciando, pode se eleger deputado federal, mantendo-se longe do fogo dos processos que resultarão do relatório final da CPI dos títulos públicos.

Golpe cambial
O governo argentino soltou uma idéia marota nos conciliábulos com os sábios da economia brasileira. Quer apressar a adoção de uma moeda única para os dois países e sustenta que essa providência traz duas grandes vantagens. Permite que, em nome de uma reforma histórica, os dois governos mexam no câmbio, mudando o valor do peso e do real. Só a criação de uma moeda única poderia dar a Menem os argumentos para quebrar o dispositivo legal que sustenta a dolarização da sua moeda. Sem isso, estaria propondo a pura e simples dolarização da economia brasileira.
A Comunidade Européia está construindo sua moeda única há quase 50 anos. Para chegar a esse grande objetivo, produziu centenas de casuísmos que, aos poucos, desgastaram as arestas que separavam as economias nacionais. No Mercosul os sábios argentinos estão propondo o contrário: vendem a simulação de um grande objetivo para produzir duas ações casuísticas de política cambial. Algo como explodir a casa para derrubar a parede da sala.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e sabe que o ex-deputado Ronivon Santiago não é leso. Leu os textos de todas as conversas do "Senhor X" e entendeu que Ronivon só tomou a importante decisão de votar a favor da emenda que permite a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos quando lhe deram R$ 200 mil.
Agora o idiota acha que descobriu as razões que levaram Ronivon a renunciar ao mandato. Percebeu que essa alternativa tinha a virtude de poupá-lo do constrangimento da cassação. Entendeu que Ronivon renunciou a 19 meses de mandato, pois está livre e desimpedido para se candidatar no ano que vem. É verdade que talvez lhe faltassem recursos para a campanha, mas Eremildo duvida que o deputado tomasse uma decisão tão importante sem acumular os mesmos argumentos que lhe ofereceram para votar a reeleição.
Afinal, como diz o grande constitucionalista Iris Rezende, ídolo do idiota: "O crime, muitas vezes, é inevitável".

Uma grande aula sobre o mito do otimismo
Há um bom livro na praça. Chama-se "Reinventando o Otimismo -Ditadura, Propaganda e Imaginário Social no Brasil". Escreveu-o o professor Carlos Fico, da Universidade Federal de Ouro Preto. É uma análise da máquina de propaganda oficial da ditadura militar, mas resultou em muito mais que isso. Transformou-se num estudo da manipulação do otimismo nacional como forma de exercício do poder.
O otimismo manipulativo nada tem a ver com os sentimentos de quem acredita que os problemas nacionais podem ser resolvidos. Trata-se de uma mistificação, segundo a qual esses problemas serão inexoravelmente superados por conta de um regime, um governo ou uma pessoa.
O professor Fico desfila lorotas como a "crise moral" da sociedade brasileira, usada para justificar aquilo que os chefes militares chamavam de Brasil Grande. Num trecho brilhante, em cinco páginas, aponta a obsessão pela pureza da "imagem do Brasil no exterior" como uma espécie de complexo de inferioridade da elite nacional. Quando um fato vergonhoso corre o mundo, os profissionais do otimismo defendem a "imagem do Brasil" sustentando que ele aconteceu em "áreas-problemas", numa atitude que se destina muito mais a reduzir a aflição dos estrangeiros do que a resolver os problemas dos nativos.
Antes, durante e depois do regime militar, o otimismo foi manipulado pelo poder. E quem discorda? "O pessimista, o realista ou o crítico do governo do momento será sempre impatriótico."

O jurismatuto ficou na vaga do jurisconsulto
Um rápido episódio, ocorrido no início do mês, passou indevidamente despercebido. FFHH quis colocar no Ministério da Justiça o ministro Sepúlveda Pertence, então presidente do Supremo Tribunal Federal. Houve uma sondagem, Pertence agradeceu, mas não aceitou. A jornalista Tereza Cruvinel noticiou o fato, e o cavalheiresco silêncio do convidado impediu que prosperassem especulações em torno do assunto.
A vontade de colocar no Ministério da Justiça um jurista competente, batalhador da causa da liberdade, revela que algumas certezas relacionadas com a personalidade política de FFHH estão excessivamente generalizadas.
É o caso da teoria da palmeira no gramado. Nela, FFHH prefere trabalhar com uma equipe de ministros anódina. Pertence teria mais tamanho que um pé de grama e não haveria de ser no ministério que perderia sua capacidade de defender idéias próprias.
O episódio abala também a teoria da arrogância do tucanato. Como presidente do Supremo, Pertence foi um leal adversário de diversas posições do governo. Quem está atrás de unanimidade e de acolitismo intelectual, pode convidá-lo para jantar, mas não para governar.
Se Pertence tivesse aceito o ministério, o governo teria mudado um pedaço de sua fisionomia.
A idéia do convite vai para a galeria das oportunidades perdidas. Nela, em 1950, o zagueiro Bigode toma a bola do uruguaio Gighia, o jogo acaba empatado em 1 x 1 e o Brasil ganha a Copa do Mundo no Maracanã. Ou Hitler posterga a invasão da França, o pintor Georges Matisse chega a Genova e embarca para Pindorama, onde vive até 1945. Nesse período, teria pintado as Mulatas do Matisse.
Bigode não se mexeu, Matisse voltou a Paris e hoje resta à arquibancada aguentar o jurismatuto Iris Rezende no Ministério da Justiça.

Deu curto na privatização elétrica de SP
Contrariado por ter perdido a concorrência da modelagem do setor elétrico do governo paulista, o banco inglês Kleinwort Benson informou que pretende contestar nos tribunais a vitória da casa Morgan Stanley, de Nova York.
No time inglês está o ex-secretário de política econômica Winston Fritsch. (Enquanto gramou baixos salários em funções públicas, ele dizia: "O meu consolo é saber que, quando voltar ao setor privado, estarei mais valorizado.") No time americano, Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central.
Assim, chegou ao andar de cima a luta em torno dos procedimentos legais que acompanham as privatizações. É verdade que nesse andar tenta-se primeiro resolver as questões com algumas boas palavrinhas, mas, no caso, elas se revelaram insuficientes.

Márcio Thomaz Bastos
(61 anos, advogado criminal com 39 anos de carreira, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil)
*
- Dois dias antes de tomar posse, o atual ministro da Justiça, Iris Rezende, justificou o assassinato de três cidadãos que tinham invadido um conjunto habitacional em São Paulo, dizendo que "o crime, muitas vezes, é inevitável". Quando é que isso acontece?
- Nunca. A frase do ministro foi um péssimo início de carreira. Ela ressoará nos escalões inferiores como uma incitação à violência e ao arbítrio. Tomada ao pé da letra, significa que o ministro da Justiça entende ser possível sair do mundo do Direito, indo "ao crime", que só é inevitável no mundo dos fatos. As regras do Direito são produto da construção das sociedades, enquanto os instintos que geram fatos, são características da vida animal. Acredito que o ministro não queria dizer isso. Talvez quisesse dizer que o monopólio da violência do Estado pode levá-lo à violências inevitáveis. Nesse raciocínio, se os três cidadãos foram mortos por policiais militares, eles estavam no estrito exercício do poder.
- Estavam?
- Todas as aparências indicam que não. Será necessário provar que os tiros vieram de policiais e garantir-lhes o direito de defesa. Ao que se viu, a PM exorbitou. Com um incentivo como o que receberam do ministro, exorbitarão cada vez mais. A declaração do ministro está próxima do estilo dos mais vulgares programas radiofônicos de incitação à violência.
- O que o senhor acha que o presidente da República devia ter feito diante de uma declaração como essa?
- No mínimo, pedir ao senador Iris Rezende que se explicasse. Se a mantivesse, não devia empossá-lo no Ministério da Justiça. O que houve de mais chocante nesse caso foi a banalização do absurdo. O ministro diz uma coisa dessas e ninguém se incomoda. Passou como um deslize verbal quando, na realidade, essa frase deve ser lida num contexto maior. Está em curso um processo de valorização da violência do Estado e de comportamentos anti-democráticos. Já apareceu um empresário dizendo que falta ao presidente Fernando Henrique Cardoso o rigor de Fujimori. Acusam-no de ser mole. Quando ele ouve uma frase como a do ministro e não faz nada, é preciso refletir sobre o que está acontecendo. A democracia impacienta, requer calma, e essa é uma das virtudes do presidente. Mesmo assim, acho que estamos diante de uma ameaça de endurecimento institucional. Fernando Henrique Cardoso sabe que não é o presidente que a direita tem no coração. Mas pode vir a sê-lo.

Canela Light
O Brasil está mudando. A Coca-Cola resolveu matar a Diet Coke, substituindo-a pela Coca-Cola Light.
Mexeram tanto no sabor que parece suco de canela.

Mário Alencar
O PSDB percebeu que o desgaste dos governadores Mário Covas e Marcelo Alencar pode tirá-lo do poder nos dois maiores Estados do país. Mais um pouco, bate o pânico e a tucanada voa.

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