São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Aids entra na fase de contagem regressiva

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

O mundo começou a contagem regressiva para checar se derrotou ou não o HIV, o mais temível e "despistador" dos vírus. Daqui a 12 meses, um grupo de 50 pacientes, que há dois anos vem mantendo o HIV imobilizado à base de remédios, suspenderá a medicação.
Se o HIV não reaparecer, a cura da Aids poderá ser decretada. Se voltar a atacar, os pesquisadores terão que começar tudo de novo.
A teoria da extinção do vírus obedece a um cálculo do holandês Alan Peterson, que esteve no congresso brasileiro e pan-americano de infectologia realizado esta semana em Salvador. Ele faz parte da equipe do norte-americano David Ho, que, no ano passado, anunciou a queda do número do vírus HIV a níveis indetectáveis no sangue de um grupo de pacientes.
Segundo o holandês, as células com maior tempo de vida no organismo chegam a sobreviver por três anos. O HIV se aloja dentro dessas células. A esperança dos cientistas é que, ao morrer, as células arrastem para a morte o vírus enjaulado em seu interior.
"Estamos aguardando a morte da última célula infectada", diz John Martin Leonard, vice-presidente de pesquisas da Abbott e parceiro de David Ho em algumas de suas pesquisas.
Os cientistas acham que só interrompendo a medicação será possível checar se o vírus está morto. É uma situação parecida com alguns casos de câncer, como os linfomas. Um paciente é dado por curado depois de um período de cinco anos sem a manifestação da doença, lembra o infectologista Artur Timerman, de São Paulo. O HIV, no entanto, se replica com maior velocidade que os linfomas.
Segundo Leonard, o vírus reapareceu em pessoas que interromperam o tratamento aos 18 meses.
Daqui a um ano, os pacientes que estão com carga viral indectatável há 24 meses serão convidados a, voluntariamente, interromper o tratamento. Duas vezes por semana, eles serão submetidos a exames de "caça" ao vírus.
"Só depois desse período poderemos anunciar a cura da Aids", diz Stefano Vella, do Centro de Estudos Clínicos do HIV de Roma.
Segundo os cientistas, além de desaparecer do sangue, o vírus não foi encontrado em tecidos como os intestinos, o sêmen e os gânglios de alguns pacientes. Pode estar escondido no sistema nervoso central, ou em algum "compartimento" inesperado do organismo.
Mesmo que o vírus seja vencido nesse grupo de pacientes, ele continuará matando entre as populações sem acesso aos remédios e entre doentes em estágio avançado. A resistência aos remédios poderá criar cepas mais agressivas.
"A grande maioria dos pacientes terá de tomar remédios o resto da vida", diz Gerald Friedland, diretor do programa de Aids da Universidade de Yale (EUA).
A possível morte do vírus, de qualquer forma, obrigará os pesquisadores a reestudar suas condutas e o uso de medicamentos. "Vamos ter que mudar toda a terapêutica que está em prática", diz André Lomar, que acaba de ser escolhido o primeiro brasileiro presidente da Sociedade Pan-Americana de Infectologia.

O repórter Aureliano Biancarelli viajou a convite do laboratórios Abbott

LEIA MAIS sobre Aids às págs. 3-2 e 3-3

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