São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Maior risco é um "ataque especulativo"

CELSO PINTO
DO CONSELHO EDITORIAL

A travessia do Brasil até o final do próximo ano tem sido vista no mercado como uma corrida de obstáculos. Pode dar certo, mas está repleta de riscos e emoções.
A ameaça principal está nas contas externas, ainda que a percepção de risco seja ampliada pelo comportamento medíocre das contas fiscais.
O fantasma que está na cabeça de todos é a ameaça velada do que os economistas chamam de "ataque especulativo" sobre a moeda brasileira.
Foi o economista americano Paul Krugman que formulou a teoria moderna sobre os ataques especulativos no final dos anos 70. Estudando vários casos de colapsos de moedas depois de submetidas a ataques do mercado, Krugman procurou entender sob que condições isso poderia ocorrer.
A conclusão foi que por trás de um colapso sempre havia a falência dos "fundamentos" da economia. Em outros termos, antes de chegar à fase final do ataque especulativo, os países apresentaram desequilíbrios básicos em suas economias: déficits fiscais excessivos, política monetária inadequada, sobrevalorização cambial etc.
Em 1992, contudo, a Europa sofreu um maciço ataque especulativo dos mercados, que atingiu Reino Unido, Itália, Espanha, Suécia, Dinamarca e a própria França, considerada, na época, um modelo de bom comportamento econômico. O episódio acabou levando os economistas a uma nova interpretação.
Profecia auto-realizável
Mesmo países com economias bem administradas e fundamentos em ordem poderiam estar sujeitos a ataques do mercado, gerados por mudanças de expectativas. Na medida em que todos acreditem que há o risco de uma desvalorização e ajam nesta direção, ela acontecerá como uma profecia auto-realizável.
A liberdade de movimentação de capitais, a multiplicação dos volumes negociados e a rapidez nas transações teriam dado um poder inusitado ao mercado para testar os bancos centrais e apostar contra eles. Um exemplo: enquanto o mercado de câmbio movimenta, a cada dia, US$ 1,2 trilhão, alguns bancos centrais como o da França, em 92, tiveram dificuldade para reunir US$ 50 bilhões para defender o franco.
No ano passado, Krugman concluiu um novo e importante trabalho revendo a revisão da teoria, argumentando que existiram razões de fundamento econômico por trás dos ataques especulativos mesmo em países onde isso não parecia tão óbvio.
México-94
Seja movido a fundamentos ou apenas a expectativas, o fato é que ataques especulativos podem ser devastadores, como ocorreu com o México em 94, que levou a uma desvalorização de até 100% do peso, à recessão, a um salto na inflação e a uma crise bancária.
Poderia ocorrer no Brasil? A dúvida está nas melhores cabeças tanto de Brasília quanto do mercado. Alguns fundamentos certamente não ajudam.
As contas externas preocupam não só pelos seus números atuais, mas pela velocidade de sua deterioração. O déficit em conta corrente, que mede o resultado das transações externas comerciais e de serviços, saiu de um virtual equilíbrio em 1994 para o equivalente a 3,9% do PIB em abril último. As previsões do mercado são de que ele suba a mais de 4% do PIB neste ano e mais de 4,5% no próximo.
As contas fiscais se deterioraram fortemente no ano passado e a melhora esperada neste ano é muito mais lenta do que gostaria o mercado ou a equipe econômica.
Real valorizado
A essa altura, até o ministro da Fazenda, Pedro Malan, admite que o real está sobrevalorizado frente ao dólar, embora calcule em apenas 9% e diga que isso pode ser compensado sem desvalorização. No mercado, os cálculos vão de 10% a 30%.
O grande trunfo que o Brasil possui são as privatizações e vendas de ações em seu poder, um potencial de mais de R$ 90 bilhões. Se o mercado internacional continuar receptivo e não houver obstáculos internos, esse dinheiro poderá ajudar a financiar o buraco externo e a amenizar o buraco fiscal, durante uns dois ou três anos.
O segundo trunfo são as reservas cambiais de US$ 55 bilhões (no final de abril, pelo conceito de caixa). Embora a cobertura efetiva das reservas esteja caindo, pelo aumento das importações, ainda é um nível bastante confortável.
Mesmo assim, todo o mercado imagina que o nervosismo aumentará, especialmente no próximo ano. A razão é simples. Mesmo com dinheiro para financiar a transição, se as contas externas continuarem a se deteriorar em 98, inibindo o crescimento, o próximo governo ficará muito tentado a aproveitar o início do mandato, em 99, para corrigir o câmbio e ganhar mais espaço econômico. Mesmo que o próximo presidente se chame Fernando Henrique Cardoso.
Por essa razão, as chances de um ataque especulativo aumentam. Se os investidores externos se convencerem de que virá uma desvalorização no final de 98 ou início de 99, é provável que retirem seu dinheiro meses antes. E se todos caírem fora ao mesmo tempo, corre-se o risco de haver uma desvalorização como profecia auto-realizável.
Estilo FHC
Quando perguntei há algumas semanas a uma alta autoridade econômica, em Brasília, sobre o risco de um cenário desse tipo, a resposta foi tipicamente otimista. "O presidente tem mantido a credibilidade externa por não mudar as regras do jogo", argumentou. "Se ele mantiver a palavra, os mercados acreditarão".
Mais realista é dizer que, se as exportações realmente começarem a crescer, se o ajuste fiscal se mostrar mais efetivo, se as reformas forem aprovadas, se não houver crises em outros países latino-americanos, se a Bolsa de Nova York não despencar, se os juros americanos não subirem muito, se as incertezas políticas internas não aumentarem demais, então os mercados ficarão mais tranquilos. Pode funcionar, mas a lista de "se" não deixa, hoje, ninguém muito confortável.

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