São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Eletroeletrônica global é intensiva em comércio

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O governo brasileiro vem anunciando um conjunto de medidas que se pode classificar genericamente como "política industrial".
Anunciou setores prioritários (bens de capital, máquinas e tratores agrícolas, autopeças e informática) e tenta estimular indústrias com alta densidade tecnológica.
Há alguns anos, a expressão "política industrial" era tida como sinônimo de protecionismo e arbitrariedade.
Embora esses "vícios" ainda estejam presentes em algum grau nas políticas setoriais, a literatura acadêmica e a experiência internacional revelam um leque de opções, instrumentos, modelos e definições de políticas industriais e tecnológicas que vão muito além do argumento clássico conhecido como o modelo de "indústria nascente" ("infant industry").
Na visão convencional, típica do século 19, um setor considerado prioritário deveria ser protegido como uma planta numa estufa.
Hoje, como os setores considerados prioritários (por exemplo, eletroeletrônica) são intensivos em tecnologia, não há como simplesmente fechar as portas, criando reservas de mercado "cegas", ou seja, amplas e irrestritas.
A indústria eletrônica mundial é "trade-intensive" (intensiva em comércio). É substancial o fluxo de internacional de componentes, bens finais e investimentos.
As importações norte-americanas em 1994 correspondiam a 37% da produção doméstica e as exportações equivaliam a 31% da produção. No mesmo ano, a Coréia do Sul importava 34% e exportava 64% da sua produção.
As filiais norte-americanas na eletrônica respondiam por 41% das vendas globais em 1992, enquanto para a indústria como um todo a sua participação foi de 29%. A IBM tinha 62% de suas vendas fora dos Estados Unidos, a Microsoft, 55%, e a Intel, 51%.
A produção tende a deslocar-se para países menos desenvolvidos, onde a demanda é crescente. Pelo menos 40% das empresas no setor adotam como estratégia a formação de alianças no exterior.
Assim, políticas de apoio à produção local não é necessariamente protecionista e, aliás, casa bem com as estratégias das múltis.
Pode-se até perguntar se o governo não exagera na concessão de benefícios e isenções à produção local (por meio de parcerias) quando essa já é a tendência global.
O ponto polêmico é a combinação que se pretende entre exportações e importações (o modelo coreano, como se vê na tabela, é intensivo em exportações).
A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) divulgou na semana passada um relatório sobre o setor.
Há um capítulo sobre a infra-estrutura mais relevante para o setor de eletroeletrônicos, a educação, escrito por Cláudio de Moura Castro, chefe da divisão de Programas Sociais do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Para Castro, "com esta educação, nada feito" e "a indústria brasileira não é apenas vítima desse sistema lamentável, ela é também culpada por omissão".
O capítulo sobre tendências internacionais também é aterrador. O mercado eletroeletrônico da China é de US$ 108,7 bilhões (o quarto no mundo), o da Coréia do Sul é de US$ 48 bilhões (em sétimo), e o Brasil, em décimo, tem um mercado de US$ 29,2 bilhões.
Para quem gosta da expressão "entrar no Primeiro Mundo", os dados são eloquentes: o mercado norte-americano, o maior, é de US$ 594,1 bilhões, e o do Japão, o segundo, atinge US$ 506,1 bilhões.
O coeficiente brasileiro de importação setorial passou de 13,7% em 1990 para 24,2% em 1994 e 32% em 1996. É um salto impressionante, que nos aproxima do patamar coreano, por exemplo. Para os menos pessimistas, esse tipo de indicador dá esperanças de que já tenha passado a fase de abertura mais acentuada e agora viria uma estabilização das importações.
Mas o déficit do setor previsto pela Abinee para 1997 é de US$ 9,8 bilhões (diferença entre importações de US$ 12,8 bilhões e exportações de US$ 3 bilhões).
O governo quer uma política industrial que seja capaz de ao mesmo tempo ampliar os investimentos (o que inclui parcerias com empresas estrangeiras) e intensificar o conteúdo local da produção.
A questão crucial agora é saber se haverá tempo para reduzir o déficit comercial produzido por esse setor, o segundo mais intensivo em importações, mostra estudo recente do BNDES.
Ou, como teme a Abinee, caminhamos para a contenção pura e dura do consumo, colocando prematuramente em risco o embrião de uma nova política industrial?

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