São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Sob a luz de Castro Alves

LUÍS NASSIF

No início da adolescência, não sabia se queria ser épico, como Castro Alves, ou mordaz, como Silveira Sampaio -o notável cronista da Folha dos anos 60. Lembro-me de uma redação de ginásio onde expunha meu dilema, e acabava optando por Castro Alves.
Em Poços de Caldas, no já quase distante início dos anos 60, minha turma era apenas uma a mais, das sucessivas gerações que se formaram ao longo de mais de cem anos, bebendo e se inspirando em Castro Alves.
Antes da grande noite da ditadura, rapaziada entre 13 e 18 anos, juntávamo-nos semanalmente para discutir política, entender os mecanismos que permitissem erradicar a miséria. Nos finais de semana, subíamos o morro levando comida e (supúnhamos) conscientização para a favela do Serrote.
Por trás dos impulsos generosos de juventude, e da ânsia de tentar construir um país, estavam o poeta e sua indignação, que aprendíamos nas salas de aula e recitávamos nos Grêmios Literários que existiam em quase toda escola.
Por nossa cultura jovem, passaram os Carlos Magno e seus Doze de França, Arthur da Távola e seus cavaleiros, a lírica marginal de Robin Hood e o nacionalismo de Guilherme Tell. Os nascidos em 50 receberam ainda os ecos do "Tesouro da Juventude" e seus "Homens e Mulheres Célebres" ou de "Livro das Boas Ações". Os menos críticos, as histórias exemplares de Seleções.
Mas nada que se comparasse à paixão e ao talento de Castro Alves, que, desde sempre, inculcaram em cada jovem estudante brasileiro o compromisso com o Brasil e com os excluídos, ajudando a reduzir preconceitos e a implantar os valores universais da solidariedade.
Os líricos
Não foi apenas o poeta inspirado, mas o personagem que mais contribuiu para moldar o caráter brasileiro.
Enquanto os Bragança, os Paraná e os Olinda desenhavam o caráter do político brasileiro, legando para nossas gerações esse modelo que, mesmo morto, teimosamente segura o país, os líricos -Castro Alves à frente- moldavam o caráter nacional.
Podia o imperador encastelar-se em sua redoma, e comportar-se como o pai iluminado da bugrada. Podiam os Feijó, os Andrada e os Nabuco de Araújo tentarem trazer oxigênio para o campo político. Podia Caxias empenhar-se em batalhas, visando a unificação nacional.
Mas nada se compara ao trabalho de consolidação nacional empreendido pelos líricos -Castro Alves à frente.
O lirismo, a solidariedade, a generosidade, o apego aos valores pátrios, o enaltecimento da natureza e a criação da auto-estima eram moldadas pelos jovens líricos que saíam das Arcadas sonhando o novo Brasil. Não pelas chacinas da guerra do Paraguai, como tão bem lembrou Manoel Bonfim, o primeiro historiador brasileiro a entender que a tragédia nacional não estava na mistura de raças, mas no modelo de Estado moldado pela elite política.
Imigrantes e "mulatinhos"
Quando as correntes imigratórios vieram trazendo sangue novo ao Brasil, a partir desse século, e temia-se que se formassem guetos raciais, esses valores e sentimentos cantados e fortalecidos pelos líricos -e, depois pelos seus sucessores, os cantores populares- funcionaram como a argamassa que cimentou este Brasil de todas as raças.
Os "mulatinhos" com sua alegria triste e solidária, com sua música viva, já constituíam uma cultura popular suficientemente forte para acolher e incorporar a todos que vieram depois.
No século seguinte, os movimentos cívicos que mais conseguiram galvanizar o sentimento de nacionalidade -do "Petróleo é Nosso" à das diretas- tinham atrás de si a inspiração da campanha da Abolição e de seu maior poeta.
Que a Bahia nos conceda essa licença, porém, mais do que Bahia, Castro Alves é Brasil.

Email: lnassif@uol.com.br

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