São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Franceses votam olhando para Bruxelas

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

As eleições de hoje e do próximo domingo na França serão, talvez, as primeiras em que os olhares não estarão concentrados no maciço prédio da Assembléia Nacional, às margens do Sena. Vale mais o modernoso prédio da Comissão Européia em Bruxelas, Bélgica.
A França vota para decidir se pode ou não, se quer ou não, cumprir os chamados critérios do Tratado de Maastricht, que cria, a partir de 1999, a moeda única européia.
Em tese, o principal deles não é tão difícil de atingir pela França: déficit público não superior a 3% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da riqueza nacional).
No ano passado, o déficit foi de 4,1%. As projeções da Comissão Européia cravam, para 97, exatos 3%. E 1997 é o ano do vestibular para o ingresso na moeda única. Os países que se classificam ou não serão anunciados com base nos dados deste ano.
O problema fica maior quando se sabe que os 3% não são uma meta que se atinge uma vez e se esquece. Se prevalecer o desejo do poderoso Banco Central alemão, a austeridade nas contas públicas é um critério permanente.
Aí é que entra a eleição francesa. Ao convocá-la, o presidente Jacques Chirac definiu-a como a busca de "uma maioria com a força e a longevidade necessárias para enfrentar os desafios atuais". Traduzindo: para fazer as reformas necessárias para manter o déficit nos limites definidos em Maastricht.
Até agora, a França se encaixou nos parâmetros de Maastricht graças a uma pequena dose de cortes de gastos públicos e a um grande de aumento de impostos.
Ocorre que os impostos bateram no teto: o francês paga, hoje, 45,6% do PIB em impostos, recorde histórico (no Brasil, para comparação, paga-se 31%).
Resta a outra ponta, cortar gastos, o que não é nada fácil com uma burocracia inchada (2 milhões de funcionários públicos) e habituado a um sistema social tão invejável quanto caro.
Em tese, Chirac nem precisava convocar eleições para ter uma maioria forte: os partidos da coligação conservadora governante ocupam 464 dos 577 assentos da Assembléia Nacional.
Mas alguns membros da coligação, de origem nacionalista, têm dificuldades ideológicas para aceitar a dissolução do franco francês numa moeda única européia, que será um clone do marco alemão.
Outros, pragmáticos, têm dificuldades eleitorais para recomendar austeridade quando o desemprego (12,8% da força de trabalho) é um recorde desde o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Por isso, Chirac jogou a carta da eleição antecipada -até porque a atual Assembléia foi eleita em 1993, em outro cenário internacional, no qual Maastricht e a moeda única ainda eram eventos relativamente remotos.
Agora, o voto não é só a favor ou contra o governo; passou a ser a favor ou contra a integração total na Europa, com o cortejo de sacrifícios que será inevitável.
O contágio
No Reino Unido, a vitória do trabalhista Tony Blair foi explicada como um triunfo da guinada à direita do novo líder trabalhista. Fora, no entanto, foi lida como a vingança de um eleitorado cansado de 18 anos de hegemonia neoliberal.
Ao contrário dos trabalhistas britânicos, os socialistas franceses não se reciclaram tão amplamente, mas é verdade que, nos 14 anos em que exerceram o poder, com François Mitterrand, foram acusados de praticar políticas não muito diferentes das de Margaret Thatcher (acusação injusta, se medida só pelo peso que o Estado francês ainda tem na economia, 54%.).
Não será possível atribuir uma vitória oposicionista na França só ao desgaste natural do governo -Chirac mal completou dois anos e, no Parlamento, a maioria conservadora chega agora a quatro.
Se isso acontecer, consolidar-se-á a visão de que a maré neoliberal começa a conhecer um retrocesso, ao menos do ponto de vista eleitoral. O resultado será lido, nos demais países da Europa, como uma licença para ousar, ao contrário do que ocorreu no Reino Unido. Ou seja, como uma licença para tentar políticas que sejam ao menos um pouco diferentes do padrão hegemônico neoliberal.
Uma leitura que baterá na Alemanha, próximo europeu a passar pelo teste das urnas.
A vitória de Blair fortaleceu, na social-democracia alemã, afastada do poder há 15 anos, a candidatura de Gerhard Schrõder, premiê da Baixa Saxônia -uma espécie de Blair alemão, mais neoliberal do que social-democrata e o mais forte candidato oposicionista.
A moderação de Blair foi entendida, na Alemanha, como sinal de que o eleitorado aceita trocar de partido, desde que sem alteração relevante de políticas.
Já uma vitória de Lionel Jospin empurraria a candidatura de Oskar Lafontaine, o atual líder social-democrata. É o preferido das bases partidárias, por ser mais puro na suas convicções, mas anêmico nas pesquisas.
Se pegar a onda de vitórias da social-democracia, em 1999, o ano de estréia da moeda única, eles poderão estar comandando os quatro principais países europeus (Reino Unido, França, em coabitação, Alemanha e Itália, se a coalizão chefiada por Romano Prodi resistir até lá). Seria uma inversão do cenário que dominou os anos 80 e o início dos 90.

Texto Anterior: Jospin reestruturou o Partido Socialista
Próximo Texto: Só cassar corrupto é perda de tempo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.