São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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REAL, MODELO INACABADO

Durante os anos 80, os economistas brasileiros ditos "heterodoxos" diziam que a recessão era um remédio inútil contra a superinflação. Hoje no governo, vários deles praticam uma política econômica que, em nome da estabilidade, flerta de modo cada vez menos sutil com a recessão.
O paradoxo é incômodo e nada tem de retórico: se a recessão não servia para acabar com a inflação, ela agora pode ser a condição para que a inflação não volte. Na prática, a engenhosidade dos que acabaram com a correção monetária parece ainda insuficiente para construir a ponte entre estabilidade de preços e retomada do crescimento econômico, entre inflação baixa e desenvolvimento.
É hoje fácil (e a própria equipe econômica finalmente o admite) entender como essa dificuldade tem origem no próprio modelo de estabilização adotado não apenas no Brasil, mas também na Argentina e em outras economias dependentes.
Trata-se da conhecida "âncora cambial": a abertura comercial, a valorização cambial e a atração de capitais externos com juros elevados formam um tripé milagroso no que se refere à contenção de preços e salários, mas diabólico quando a questão é retomar o crescimento.
O modelo é, portanto, incompleto. Entretanto, como há meses advertem economistas ortodoxos e heterodoxos, ele talvez seja não apenas incompleto, mas também perigoso.
O risco fundamental está na tendência à utilização do processo de abertura, de valorização cambial e de endividamento externo para apenas gerar mais uma onda de consumismo num país política e economicamente periférico. Isso já ocorreu no passado. O risco está de volta.
Surge, então, um terrível círculo vicioso. O governo não pode deixar a economia crescer demais para não desequilibrar muito as contas externas. Mas o crescimento contido tem ainda o efeito de restringir os investimentos produtivos.
Sem esses investimentos, com o governo absorvendo a poupança para cobrir seu déficit e, portanto, sem possibilidades de reduzir mais rapidamente a dívida social, o Real, além de incompleto e arriscado, pode tornar-se também um modelo de sucesso circunscrito, que contribui menos do que poderia ou deveria para a própria governabilidade.

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