São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Uma solução para o desemprego

PAULO PEREIRA DA SILVA

A Força Sindical apresentou ao ministro do Trabalho, Paulo Paiva, na quinta-feira, sua proposta de redução da jornada de trabalho. A iniciativa é ousada, bem como seu objetivo: criar pelo menos 4,4 milhões de empregos -segundo o IBGE, o desemprego aberto é de 4,15 milhões de pessoas.
O projeto da central sindical prevê a redução da jornada de trabalho de 44 para 30 horas, redução de 10% nos salários e no lucro líquido das empresas e de 37,3% nos impostos.
O governo federal se propõe a negociar, mas resiste a abrir mão da arrecadação de impostos federais, o que inviabilizaria a proposta. A Força Sindical, contudo, aceita discutir a possibilidade de reduzir, inicialmente, a jornada de trabalho para 36 horas. Pela proposta inicial, os governos deixariam de arrecadar R$ 9,4 bilhões em impostos. Com a redução para 36 horas, a perda seria de R$ 3,4 bilhões.
Não se trata de sugestão demagógica e inexequível, pois os trabalhadores representados pela central sabem que não existe fórmula milagrosa, principalmente para problema tão complexo como o desemprego, sem que todas as partes envolvidas abram mão de algumas vantagens. Todos, porém, lucrarão com a diminuição dos alarmantes índices de desemprego.
A perda de 10% dos salários dos trabalhadores será certamente compensada pelo aumento da renda familiar, com o ingresso de um desempregado no mercado de trabalho, agregando mais um salário à família.
Mais: com a redução da jornada de trabalho para 30 horas, o trabalhador poderá dedicar-se a outras atividades, para aumentar a renda, aprimorar seus estudos e capacitar-se, ou mesmo para dedicar-se mais à família, melhorando sua qualidade de vida. Mais do que utopia, é insensatez imaginar ser possível reduzir a jornada de trabalho sem a contrapartida da perda de pequena parcela dos salários.
Não se justifica, também, a preocupação do governo com a renúncia fiscal, por uma série de motivos. Se, num primeiro momento, União, Estados e municípios perderiam receita para criar mais empregos, em pouco tempo a arrecadação de impostos voltaria a crescer, com o aumento da produção, da geração de renda e do aumento do consumo. Afinal, serão novos 4,4 milhões que passarão a ter emprego, consumir e, obviamente, a pagar impostos.
Se não bastasse esse argumento, deve-se lembrar que os governos vêm sendo pródigos em conceder incentivos fiscais e outras benesses, algumas escandalosas, para empresas que não vão gerar a quantidade de empregos compatível com os benefícios.
Como bem lembrou editorial da Folha (19/5), a reengenharia do processo de trabalho será insuficiente para aumentar a oferta de empregos se não houver flexibilização da legislação trabalhista, pressuposto que a central vem defendendo há tempos e está contemplado na proposta apresentada ao ministério, inclusive com a redução de 7,18% dos encargos sociais.
Também entendemos ser necessária uma ampla reforma fiscal e tributária, com a finalidade de desonerar a produção, incentivar os investimentos e, ao mesmo tempo, aumentar a arrecadação do Estado. Mas, enquanto as reformas continuam encalhadas no Congresso, a Força Sindical decidiu incluir no projeto a redução dos impostos.
Mais importante do que o ganho econômico é a garantia de mais justiça, distribuição de renda e paz social que a diminuição do desemprego acarretará. O ganho social é imensurável.
Também o empresário, que inicialmente abriria mão de 10% do lucro líquido, passaria a lucrar mais com o aumento da produção e do consumo. Deixar que se alastre o desemprego é matar a galinha dos ovos de ouro do capitalismo: o consumidor. Sem emprego não há consumo, produção, produtividade, renda.
Há poucos anos, a instalação das câmaras setoriais cercou-se das mesmas desconfianças iniciais. No entanto, produziu resultados altamente positivos para todos.
Na época, governo, empresários e trabalhadores acordaram perder algumas vantagens. A partir de então, a indústria automobilística aumentou a produção, passando de pouco mais de 1 milhão de veículos anuais para perto de 1,8 milhão produzido no ano passado.
A Força Sindical está acostumada com críticas de setores mais conservadores às suas iniciativas, mas o tempo tem nos dado razão.
No início da década, empresários e alguns dirigentes sindicais chegaram a ridicularizar proposta da central, apresentada formalmente à Fiesp, de flexibilização da jornada de trabalho, hoje aceita amplamente e implantada em vários setores da economia, como na indústria automobilística.
A proposta, inédita no Brasil, está sendo posta em prática em alguns países, como a Alemanha, onde a redução da jornada de trabalho permite a contenção do crescimento do desemprego, já em níveis altos.
O desemprego estrutural, provocado sobretudo pela incorporação de novas tecnologias e novos processos de gestão da produção, cresce no mundo inteiro e não há nada que indique reversão num horizonte visível. No Brasil, ainda em fase inicial de modernização da economia, o processo tende a agravar-se se não forem tomadas providências concretas, como essa que a Força Sindical propõe à sociedade.
Se, para sociedades mais ricas, o desemprego é dramático, para o Brasil é uma verdadeira tragédia, devido às desigualdades sociais profundas, à perversa distribuição da renda e à falência de nossos serviços essenciais.
Não temos a menor dúvida de que a proposta da Força Sindical é uma grande contribuição para que a sociedade encontre uma verdadeira saída para o flagelo do desemprego.

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