São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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O governo esconde os problemas

JOÃO PEDRO STEDILE

O Brasil vive uma grave crise econômica e social. Segundo o professor Celso Furtado, nos últimos dez anos o setor industrial não criou nenhum novo emprego. Roberto Rodrigues (Organização das Cooperativas do Brasil) baseia-se nos dados da Fundação Getúlio Vargas para afirmar que, nos últimos 16 anos, a área plantada aumentou apenas 2%. O volume da produção agrícola de 89 a 96 aumentou apenas 4%, enquanto a renda dos agricultores caiu 49%.
Segundo o secretário de política agrícola do Ministério da Agricultura, Guilherme Dias, nos últimos dois anos 400 mil pequenas propriedades desapareceram, e certamente essas famílias tiveram de migrar para as cidades.
No ano passado, batemos o recorde histórico de importações agrícolas: gastamos US$ 6 bilhões em produtos que poderiam ser produzidos aqui.
O resultado dessa crise é óbvio. Nas contas do presidente da Federação do Comércio de São Paulo, temos 18 milhões de desempregados. Há um déficit habitacional de 10 milhões de moradias dignas, 4 milhões de famílias sem terra, e a situação dos serviços públicos de saúde e educação é calamitosa.
Temos estabilidade da moeda, mas preços que transformam o Brasil no país mais caro do mundo, onde os 50% mais pobres têm apenas 10% da renda.
Evidentemente, essa situação tem raízes em uma herança histórica de exploração e em um verdadeiro apartheid social imposto pelas elites. Mas tem também uma causa recente, que é o modelo de crescimento econômico adotado pelo governo federal.
A vitória de FHC nas últimas eleições representa a implantação de um novo pacto entre as elites, aglutinando os interesses do grande capital financeiro e das multinacionais, que esperam retomar o crescimento econômico com a abertura total de nossa economia ao capital estrangeiro, já remunerado com as mais altas taxas de juros do mundo. O processo de privatização é uma verdadeira doação aos capitalistas privados, transformando o monopólio estatal em oligopólio privado.
Diante desse modelo, que até poderá trazer crescimento, mas que traz na sua essência excluídos e que, ao contrário do que se diz, continua concentrando renda, qual é a saída para os pobres? O discurso do presidente repetindo velhas lições reacionárias?
Não. Nós achamos que há dois outros caminhos possíveis. Primeiro, é preciso que a sociedade brasileira faça uma profunda reflexão sobre a natureza dos graves problemas sociais e discuta um novo modelo de desenvolvimento para nossa economia.
Precisamos reorganizar a produção para atender às necessidades básicas da população, garantindo terra, trabalho, alimentação, moradia e educação para todos. Para todos mesmo, e não apenas para uma minoria cada vez menor.
O segundo caminho é a organização dos pobres do campo e da cidade. Os excluídos, os sem-terra, os desempregados, os famintos, os mal empregados, a classe média empobrecida -a imensa maioria da população brasileira- precisam se organizar para manifestar-se, protestar e criar a necessidade de mudar o rumo do nosso modelo econômico.
Essa foi a essência das minhas declarações na semana passada. Não são idéias novas. São a linha do MST há muito tempo. Temos dito e repetido isso várias vezes em diversos fóruns e na imprensa.
Então, por que essa reação desesperada do Planalto? Porque seu índice de popularidade nunca esteve tão baixo e porque o aumento das mobilizações o isola ainda mais. Porque seu governo perdeu a moral ao ficar claro para a opinião pública que o processo da reeleição esteve vinculado a mecanismos de corrupção, sendo o presidente o maior beneficiado. Por último, é mais fácil buscar um "bode expiatório" do que fazer uma discussão séria sobre as causas dos nossos problemas sociais.
Problemas sociais que não serão resolvidos com ameaças nem com repressão. Nós continuaremos lutando cotidianamente pela reforma agrária, por distribuição de renda e por justiça social. Mesmo que o sr. não goste.

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