São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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O "JN", o PFL, FHC e o X da questão

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O "Jornal Nacional" envelheceu uma década em uma semana. Com a cobertura que fez do escândalo (mas que escândalo!!!?) da compra de votos pró-reeleição, o telejornal voltou aos tempos em que tentava encobrir o movimento pelas Diretas-Já, mantendo-se assim fiel ao regime militar a que sempre servira com tanto afinco e senso de responsabilidade cívica.
Naquela ocasião, encurralado pela completa desmoralização, o "JN" foi obrigado a curvar-se à "voz rouca das ruas", que murmurava algo como "fora Rede Globo, o povo não é bobo". O "JN" aderiu então às diretas pela porta dos fundos, como o infeliz do Ronivon fez agora com a reeleição.
Os anos passaram, o "JN" sobreviveu, mas quando, em 89, o metalúrgico do ABC (rebatizado de "encanador" pelos tucanos, em 94) ameaçou o caçador de Marajás, lá estava o "JN", "editando" o último debate entre os candidatos para salvar a nação do "Mao Tse Tung barbado". Foi a era de Alexandre Garcia e Alberico Souza Cruz, o collorido.
A queda de Collor exerceu sobre toda a mídia um efeito pedagógico. O jornalismo subserviente, que sempre foi a escola do JN, estava minado. Era preciso resolver: independência ou morte.
O "JN" começou então a mudar. Captou no ar o cheiro dos novos tempos -tempos uspianos, promissores, repletos de possibilidades modernizantes e fumaças de civilidade. O jornal se enquadrou. Varreu a velharia, deslocou o lenga-lenga lacrimejante de Cid Moreira para o "Fantástico" e preparou sua "nova cara".
A estratégia foi amplamente vitoriosa. Atingiu seu momento de êxtase no massacre protagonizado por policiais em Diadema, provando que, no Brasil, as coisas só existem, de fato, quando o "JN" as revela. "Investigação, independência, denúncia, Jornal Nacional, verdades que mexem com o país" -diziam os anúncios eufóricos.
Mas aí surge a suspeita de que o ministro Sérgio Motta possa estar envolvido na compra de votos para a reeleição. Investigar? Que nada. Noticiar? Muito discretamente, para disfarçar. O governismo voltou à galope, despudorado.
É verdade que ele é geral, como talvez nunca tenha sido desde a época em que a imprensa publicava receitas de bolo no lugar das reportagens castradas pela censura militar. Mas o "JN" não é um jornal qualquer; é o nosso termômetro. De nada adianta Boris Casoy clamar pela CPI e dizer que "isso é uma vergonha". Excetuando-se o "JN", o impacto dos demais telejornais é residual, quando não nulo.
Na última segunda-feira, dia em que Serjão perdeu a compostura e aprontou mais uma, ameaçando em público uma jornalista que lhe fez uma simples pergunta, quem viu o "JN" não soube de nada.
Se a censura sob o regime militar -como de resto tudo naqueles tempos- era mais abjeta, hoje ela é mais insidiosa. São as ciladas dos novos tempos, que podemos batizar logo de "era da cosmética" ou do "cinismo ilustrado", como queiram.
Nesse sentido, não há nada mais anedótico do que a campanha publicitária do PFL que pipocou durante a semana em horário nobre na TV. Posando de moralistas, moderninhos e progressistas, figurões da velha ordem aparecem engravatados na tela, anunciados pela voz da mocinha que canta alegremente a vinheta "PFL é Brasil". Devemos agradecer à mocinha. Ela pelo menos nos diz a verdade.
*
PS: Essa coluna é concluída na terça-feira. Refere-se, portanto, ao noticiário dos dias anteriores. Nunca se sabe se Cid Moreira vai voltar à cena num editorial bombástico, exigindo CPI já em nome da moralidade pública. Mas isso é tão provável quanto é óbvio que Kabila, o novo tiranete do Congo, ex-Zaire, vai convocar eleições livres e instalar lá uma democracia.

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