São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997
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Novelas retratam padres 'humanos'

CRISTIANA COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sou um homem como outro qualquer". A fala do rabino Davi, que vai ao ar no capítulo desta quinta de "O Amor Está no Ar" (Globo, 18h), sintetiza uma tendência da teledramaturgia atual: criar figuras religiosas mais humanas.
Na novela das oito da Globo, "A Indomada", padre José é um religioso que bebe, vai ao cassino, dorme no confessionário e se irrita com as beatas da cidade. O rabino Davi é atraente, jovem e questionador. Padre Eurico, em "Xica da Silva" (Manchete, 22h), está dividido entre a batina e o amor de uma mulher.
"Queria fazer um padre 'gente', diz Aguinaldo Silva, o autor de "A Indomada". Silva, que já criou um padre progressista em "Roque Santeiro" (85) e outro negro em "Pedra sobre Pedra" (92), diz que a Igreja é representada como entidade, nunca como pessoa. "José dá amparo e proteção aos humanos e ofendidos, é um padre do bem."
Na novela, José (Pedro Paulo Rangel) defendeu o amor entre Mirandinha (Betty Faria) e Egídio (Licurgo Spinola), considerado escandaloso pela diferença de idade. Ainda vai realizar o segundo casamento de uma prostituta, Dinorah (Carla Marins).
"Ele tem uma relação de amor e acolhimento, sem preconceito", avalia o padre Júlio Lancelotti, que cuida de crianças com Aids. Lancelotti diz que nem a cachaça destrói a imagem de amor do padre, mas considera besteirol e prosaico "tirar as calças e não dormir na cama".
No capítulo que vai ao ar na terça, José ameaça mostrar o "bundão" às beatas se elas insistirem em transfornar um velório em "show hollywoodiano". "Comparado às maldades de Altiva (Eva Wilma), ameaçar mostrar o bundão e tomar um drink não é nada", comenta Rangel.
Inspirado em rabinos judeus liberais, como o paulistano Henry Soebel e surfista Nilton Bonder (RJ), Davi (Caco Ciocler) tem até cabelos compridos, presos por baixo do kipá (pequeno chapéu que simboliza humildade). Davi viverá sua dúvida "humana": casar-se com a mulher que lhe foi prometida desde criança ou seguir seu coração. "Queria mostrá-lo com dilemas de paixão e sexualidade", diz o autor Alcides Nogueira, que faz uma homenagem à religião judaica.
O ator Caco Ciocler, que é judeu, diz receber reclamações. "Na comunidade judaica, as pessoas comentam que um rabino jovem gera desconfiança".
Menos contemporâneo, mas tão humano quanto Davi e José, Eurico (Alexandre Lippiani) é, para o diretor Walter Avancini, "um padre em luta interna para confirmar sua vocação". Progressista para a época (a novela se passa em 1750), Eurico já se divide entre largar a batina ou ficar com Eugênia (Andrea Avancini). "As pessoas se identificam, pois o amor por Eugênia o tornou bom", acredita Lippiani.
Monsenhor Arnaldo Beltrami, vigário episcopal da Arquidiocese de São Paulo, considera alienação não ver o lado negativo dos religiosos. "É importante mostrar o lado humano, com perfeições e imperfeições".

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