São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 1997
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Vítima da violência não se livra do terror

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

J.P., 21, há quase quatro anos sonha com a mesma cena: a morte do irmão E., uma das 21 vítimas da chacina de Vigário Geral, em 1993, e o rosto do homem que o matou.
J. assistiu a tudo e chegou a socorrer o irmão. Ao ver que E. ainda estava vivo, o homem encapuzado que o atingira voltou e atirou mais uma vez. O capuz que encobria seu rosto escorregou, e J. o viu.
Os sonhos, os pavores noturnos, o medo de sair à rua e, principalmente, o medo de sofrer de novo são os sintomas de um transtorno emocional que atinge vítimas da violência nas grandes cidades: o estresse pós-traumático.
Depois da dor, o medo é a marca que a violência deixa nas vítimas, em seus parentes e, num efeito de aproximação, em pessoas que tomam conhecimento do caso.
Em alguns casos, como o de J.P., o medo é reforçado por fatores externos: as ameaças contra quem decide levar o caso à polícia.
"A crise aguda de estresse é normal depois de um trauma. A diferença é que, no estresse pós-traumático, a vítima não consegue reintegrar as memórias da violência à memória normal", afirma o psicólogo Bernard Rangé, 51, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
As reações são as lembranças recorrentes -o sonho, por exemplo-, a tentativa de evitar qualquer situação de risco e um entorpecimento diante da vida.
Estudos recentes supervisionados pela APA (American Psychiatric Association) apontam, segundo Rangé, graus variados de ocorrência do estresse pós-traumático em grupos como veteranos de guerra, sobreviventes de explosões ou vítimas de violência urbana, numa média de cerca de 10%.
Segundo o psicólogo, não há estatística sobre a extensão do problema em cidades brasileiras. "Acredito que seja maior ainda."
O estresse pós-traumático é diferente do pânico, caracterizado pelo medo difuso e não obrigatoriamente relacionado a uma origem pontual, como medo de multidões, da morte ou da solidão.
Um dos casos mais clássicos de estresse pós-traumático atendidos por Rangé é o de um sequestrado que era mantido vendado e obrigado a andar encurvado, como se estivesse num cômodo de teto baixo. Depois de libertado, não conseguia retomar a postura normal.
O rapaz disse que o pai deixou de trabalhar, tornou-se hipertenso e dependente de tranquilizantes. Até hoje sonha com os sequestradores, mas evita falar do assunto.
A família teme a repetição do sequestro. "Meu pai é hoje um homem triste e doente. Ninguém sai de casa tranquilo, e nada nos garante paz", afirma o rapaz.

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