São Paulo, sábado, 31 de maio de 1997
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A súmula (des)vinculante

MARCIUS G. P. DE OLIVEIRA

Ninguém contesta que a Justiça atravessa grave crise, que não atinge apenas o Poder Judiciário, mas também os órgãos do Ministério Público, da polícia e da Procuradoria do Estado. Além do excessivo número de processos decorrentes dos problemas sociais e econômicos do país contraposto a um insuficiente número de juízes, há o formalismo na mentalidade dos que atuam na área jurídica.
Se antes eram os erros jurídicos do governo federal que provocavam o aumento do número de processos, agora a inadimplência é o seu motivo. Ao lado da crise, os devedores descobriram ser mais interessante ser executados judicialmente do que cobrados diretamente pelos credores, porque, no processo judicial, a correção e os juros são inferiores. A situação tende a se agravar principalmente nos órgãos de primeira instância.
Internamente, há necessidade de retirar os véus que cobrem a atuação do Judiciário, examinar em profundidade as razões da crise e uma mudança de mentalidade.
O formalismo pressupõe a aplicação quase cega da lei, o que torna a imparcialidade do juiz, regra elementar do sistema, um simples dogma, uma vez que a lei é editada por critérios norteados por grupos que agem junto ao Legislativo, nem sempre com a finalidade de promover a justiça.
A fórmula simplista de criar a súmula vinculante não vai alterar o quadro existente. Se a preocupação é evitar o grande número de processos, bastaria impedir recursos à superior instância em matéria sumulada e permitir ao juiz de primeiro grau aplicar o artigo 459 do Código de Processo Civil: "Nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito, o juiz decidirá de forma concisa".
O que se tem em vista é manter o exame dos fatos tratados no processo, que é fundamental na construção do direito. A produção da prova dos fatos, o contato com as pessoas e testemunhas envolvidas no processo e a observação minuciosa das razões que levaram as partes ao conflito são realizados diretamente pelo juiz de primeira instância.
Os juízes dos tribunais, embora mais experientes, não têm contato com o mundo em que se forma o conflito, exceto em virtude de sua observação pessoal, de forma indireta. No STF e no STJ a distância é ainda maior. Seus membros estão impedidos de examinar os fatos tratados e as provas produzidas.
A pretendida modificação constituiria uma desvinculação do fato social que lhe dá suporte, eliminaria a função jurisdicional de primeira instância, o que parece inconstitucional, e tornaria ainda mais engessada a interpretação do direito.

Marcius Geraldo Porto de Oliveira, 41, é juiz de direito da 6ª Vara Cível em São José dos Campos (SP).

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