Folha de S.Paulo - Diagnóstico sem terapia

São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997

Diagnóstico sem terapia

CELSO PINTO

Se a globalização tem privilegiado os ganhos financeiros, reduzido o crescimento, criado desemprego e desmontado o aparato social do Estado, então por que a esquerda não consegue propor alternativas politicamente bem-sucedidas a tudo isso?
A pergunta, feita pelo economista Paul Singer, do PT, ficou no ar como um paradoxo, no debate de abertura do "Encontro Nacional de Economia Política", nesta semana, em São Paulo. O encontro, promovido pela PUC paulista e pela Sociedade de Economia Política, mergulhou no temário que preocupa, hoje, os economistas que seguem uma tradição marxista e keynesiana.
Não falta criatividade a esta corrente na formulação do diagnóstico, mas ele não tem levado à prescrição de terapias politicamente atraentes. "Alternativas, de fato, não as vejo", admitiu Singer.
Mesmo quando a esquerda ganha, como aconteceu no Reino Unido e poderá acontecer hoje na França, argumentou Singer, está apoiada numa plataforma econômica que não renega o modelo vigente. "Não adianta supor que isso acontece porque o capital financeiro é capaz de comprar a social-democracia ao redor do mundo", ironizou.
O debate reuniu um dos papas da teoria da globalização que inspira a esquerda, François Chesnais, da Universidade de Paris 13, e Arturo Huerta, da Universidade do México. Chesnais explicou por que a globalização pode desembocar numa enorme crise e Huerta detalhou por que, pelas mesmas razões básicas, o México está condenado a repetir a crise de 94.
Chesnais, ex-companheiro do presidente Fernando Henrique na Academia francesa, construiu um modelo de interpretação que reúne elementos econômicos, políticos e sociais. Se transformou num marco de referência, como uma interpretação alternativa ao que se convencionou chamar de "modelo neoliberal".
Ele acha que existiram dois modelos de acumulação capitalista depois da Segunda Grande Guerra. O primeiro, que durou até o colapso do dólar em 73, baseou-se no câmbio fixo, num sistema de proteção social, na transferência de renda para o trabalho, no crescimento rápido, juros baixos e na liderança dos Estados Unidos como investidores mundiais.
O segundo é o regime atual de acumulação liderada pelo capital financeiro. Ele combina o fim do sistema de barganha social; liberalização financeira, comercial e de investimentos; transferência de renda do trabalho para os lucros e do setor produtivo para o financeiro (via juros altos); e concentração do capital em monopólios e oligopólios mundiais. O papel dos Estados Unidos mudou para o de um país "rentista", organizador e defensor do modelo a nível internacional.
Os riscos, segundo Chesnais, vêm do enfraquecimento da demanda mundial, da geração de excedentes de produção, da fragilidade financeira e da redução da taxa de investimentos. O mercado financeiro sai lucrando, os preços dos ativos disparam, mas, a exemplo do mundo pré-crise dos 30, paira a sombra de uma crise.
A mesma lógica perversa explica, para Huerta, por que o México voltará à crise. O peso está sendo outra vez sobrevalorizado, afetando as exportações e inviabilizando a sustentação da liberalização comercial. A necessidade de atrair dólares mantém os juros altos o que, ao lado da austeridade fiscal, impede que o crescimento decole. Uma nova crise é questão de tempo.
Apesar da gravidade do diagnóstico, contudo, as crises financeiras recentes (1987, 1990 e 1994), como observou Singer, não levaram à repetição de uma crise de 30. Ao contrário, acabaram sendo superadas com rapidez. De outro lado, a repetição dos erros no México, como disse Huerta, pode levar a oposição a ter maioria no Congresso -mas será uma oposição de direita, não de esquerda.
Pode ser, como sugeriu Huerta, que seja preciso uma crise internacional de grandes proporções para que seja possível, politicamente, implantar um novo modelo (ou voltar ao modelo anterior).
O problema é que isso deixa a oposição mais à esquerda na incômoda posição de torcer pelo pior. O que está longe de ser a alternativa ansiada por Singer.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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