São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Empresa opera celular irregular em SP

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

No momento em que a licitação para a concessão do celular privado entra na reta final, a empresa MComcast lança um telefone celular digital na cidade de São Paulo. Outra empresa, a McCaw, se prepara para fazer o mesmo no primeiro trimestre do ano que vem.
Os negócios envolvem investimentos de US$ 500 milhões e ocorrem sob atmosfera nebulosa.
Alguns detalhes fogem ao conhecimento do Ministério das Comunicações. Há até o casamento de um assessor do ministro Sérgio Motta com uma consultora americana que opera nesse mercado.
A MComcast e a McCaw trabalham com um equipamento chamado "trunking", um sistema de comunicação por rádio, como os da polícia e de frotas de táxi.
Nos últimos anos, o sistema de "trunking" deu um salto tecnológico. Tornou-se digital e hoje é um equipamento mais completo do que o celular normal. Além de celular, faz ligações internas entre departamentos de uma empresa, envia dados e recebe mensagens escritas, como um "pager".
A função básica do "trunking" é possibilitar a comunicação interna entre funcionários de empresas. No Brasil, a regulamentação, aprovada sob o governo Itamar Franco, é dúbia. Graças às brechas nas regras, o "trunking" está sendo vendido em São Paulo pela MComcast como celular.
Ouvido pela Folha, o secretário-executivo da pasta das Comunicações, Renato Guerreiro, disse que o ministério não reconhece a MComcast como operadora de "trunking" e que tampouco autorizou o funcionamento de qualquer sistema digital em São Paulo.
"Vamos investigar o caso. Se a informação for verdadeira, a empresa será punida.", disse.
A MComcast reúne quatro grupos pesos-pesados: a Comcast (terceira maior empresa de TV a cabo dos EUA, que também explora telefonia), Carso (um dos maiores grupos mexicanos, acionista da Telmex) e acionistas da brasileira Multicanal: banco Garantia e Antonio Dias Leite Neto.
Ela entrou no mercado comprando pequenas empresas que obtiveram licenças de "trunking" nos governos Collor e Itamar. O mesmo ocorreu com a McCaw.
O governo havia distribuído gratuitamente licenças para exploração do serviço de "trunking" em todo o país. A maior parte dos beneficiários vendeu as licenças. No caso da cidade de São Paulo, o preço chegou a US$ 125 mil por canal.
Para quem recebeu as licenças de graça e as vendeu, foi um bom negócio. Para quem as comprou, o negócio foi ainda melhor.
As empresas estão entrando no mercado de São Paulo, considerado hoje o de maior potencial no mundo. Isso tem irritado integrantes de consórcios que disputam a banda B da telefonia celular.
Para explorar o mesmo mercado de São Paulo, esses consórcios terão de pagar no mínimo R$ 600 milhões pela concessão do serviço. Estima-se que a concorrência entre os grupos possa elevar os preços a mais de R$ 1,5 bilhão.
As empresas de "trunking" se defendem argumentando que os consórcios da banda B atuarão numa escala muito maior.
No próximo dia 4, Sérgio Motta anuncia os nomes das empresas que passaram pela fase de habilitação e, até meados do mês, deverá anunciar o vencedor da concorrência para a capital paulista.
Em abril, Motta recebeu cópia de um documento divulgado nos EUA sobre a entrada no Brasil da McCaw International, subsidiária da maior empresa mundial de "trunking": a americana Nextel.
O documento dizia que a McCaw comprou, em janeiro, 1.700 canais de frequência de "trunking" no país, que já estavam em poder de outra empresa americana, a Wireless Ventures of Brazil, sediada em Virginia (Delaware).
Pedido de explicações
A Wireless Ventures of Brazil foi criada em 1993 pelo indiano Rajendra Singh, radicado nos EUA. Entre 93 e 96, a Wireless absorveu -entre aquisições diretas e opção de compra- 14 empresas brasileiras que tinham licenças de "trunking" nas maiores cidades do país.
Singh registrou ainda uma empresa no Brasil, a Airlink, para administrar frequências que obteve. A Airlink pertence hoje à McCaw.
Além de chegar às mãos de Motta, cópias do documento divulgado nos EUA chegaram aos consórcios que disputam a banda B, junto com denúncia anônima de que a gigante americana teria burlado a regulamentação brasileira.
Motta considerou "muito graves" as informações contidas no documento e enviou um ofício à McCaw pedindo esclarecimentos.
Dias depois, declarou, em solenidade pública no Rio de Janeiro, que havia recebido uma resposta "evasiva" e ameaçou notificar a empresa judicialmente caso não obtivesse informações precisas.
Ao receber a denúncia anônima, o ministério afirmou ignorar tanto a atuação da Wireless quanto a da McCaw e que nenhuma das duas aparecia no cadastro de empresas permissionárias de "trunking".
O ministério enviou à Folha uma cópia do cadastro, atualizado até 23 de abril. Ele mostra que as permissões continuam em nome das empresas que obtiveram as licenças nos governos Collor e Itamar.
Ligações perigosas
Ao dizer que desconhecia a atuação da Wireless e da McCaw, o ministro demonstrou estar desinformado também sobre a vida de seus assessores mais próximos.
Seu secretário de Serviços de Comunicação, Mário Leonel Neto, está casado com a advogada americana Karen Muller, consultora do indiano Rajendra Singh.
Ela negociou todas as compras de empresas de "trunking" para a Wireless. Em alguns casos, a advogada chegou a figurar como sócia temporária das empresas.
Leonel é responsável pela elaboração das normas sobre o "trunking" no ministério. Ele confirmou que vive com Karen Muller desde setembro de 1996, mas disse que não vê conflito de interesses.
"Desde que passei a ocupar o cargo, em novembro de 95, ela não fez nenhuma compra de empresa", disse o secretário, que é filho do ministro do Estado Maior das Forças Armadas, Benedito Leonel.
O secretário disse que Sérgio Motta sabe de sua união com Karen Muller e que sua vida pessoal não interfere na profissional.
Infelizmente para ele, não é esta a impressão que passa ao mercado. No último dia 16, Leonel colocou em discussão pública uma nova regulamentação para o "trunking" que admite que uma operadora possua até 200 canais de frequência em uma mesma cidade.
A Wireless tem 195 canais em São Paulo, adquiridos por Karen. Raj Singh, de quem ela ainda é consultora, vendeu 81% da empresa para a McCaw, mas reteve 19%.
A MComcast tem 160 canais na cidade. A tecnologia digital permitiria até mil usuários por canal.

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