São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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No país recordista

JANIO DE FREITAS

Raros momentos foram ou serão tão propícios quanto o atual, em que pipocam denúncias contra um lado e outro, para a extinção dos obstáculos legais que dificultam ou impedem investigações. Os imensos comprometimentos dos que detêm, no governo e no Congresso, o poder de introduzir tal inovação a tornam inviável, mas poucas são as medidas mais necessárias do que essa no recordista ocidental da corrupção.
Nada, a não ser o autoprotecionismo dos parlamentares e dos que controlam o governo, explica, por exemplo, que não possam funcionar na Câmara mais de cinco CPIs simultâneas. Por que cinco e não três ou sete ou quatorze? Não há motivo técnico, como não há argumento moral.
Os critérios para instalação de CPIs são outro absurdo só mantido por conveniências imorais de parlamentares e dos comandos do governo. Mesmo que um pedido de CPI tenha reunido o número necessário de assinaturas e preenchido outras formalidades, inúmeros truques e falcatruas estão disponíveis para impedir que a comissão se constitua. Foi assim que se perpetraram o sistema de corrupção composto pelas empreiteiras e a outra grande bandalheira nacional que são as campanhas eleitorais.
Reuniram-se representantes das principais bancadas de então -Inocêncio de Oliveira, José Serra, Mário Covas, Esperidião Amin, entre outros de quilate idêntico- e decidiram que a CPI das Empreiteiras e a CPI do Financiamento de Campanhas não deviam acontecer. E por que não, se as formalidades estavam atendidas e ambas, por menos que fizessem, forçariam restrições ao sistema de corrupção e melhorias no indecente processo eleitoral brasileiro? A explicação daqueles políticos puros foi, como antes e como hoje, de que as CPIs tumultuariam a vida nacional. É claro que o impedimento irregular das CPIs protegia os cofres famintos que se abrem e se enchem sob o conveniente título de financiamento eleitoral.
Parlamentares gostam de invocar o caso Collor-PC como pretensa prova de que são difíceis, senão impossíveis, manipulações de má-fé para aprovar ou impedir CPIs. O PFL e as parcelas do PMDB e do PSDB que estavam com Collor jamais acreditaram em consequências da CPI forçada por circunstâncias inesperadas. Articulador político do governo Collor, para dirimir o desarranjo que o acometia, o hoje embaixador Jorge Bornhausen exprimiu de público a convicção tranquila de todo o collorismo: "A CPI? Isso não vai dar em nada". Eles não sabiam que o motorista Eriberto estava com um papel a cumprir e, a partir daí, José Paulo Bisol e Aloizio Mercadante descobririam o diabo. Sob outras motivações, a inconfidência fez também a CPI dos Anões, mas aí, não podendo impedi-la, o PFL tratou de salvar muitos dos implicados (deputados ainda).
Nada justifica barreiras que protejam de investigações, quando alcançados por denúncias que suscitem suspeitas, quem quer que lide com a coisa pública, ou que trate com o público ou que se dirija ao público com possibilidade de nele influir. Neste último caso estão os jornalistas, sim, entre os quais o mercantilismo não é tão raro quanto se esperaria da classe que se diz investigativa e faz a difusão das denúncias -para fora do jornalismo, bem entendido.

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