São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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'Síndrome de Chapeuzinho' afeta mulheres

LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

A história de Chapeuzinho Vermelho influencia e forma o comportamento das mulheres até hoje. E o pior: de uma maneira negativa, porque faz com que elas se sintam culpadas quando sofrem violência sexual dos homens.
Essa é a principal conclusão da tese de mestrado da socióloga Andréa de Souza Túbero Silva, 28, da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Ela estudou as versões do conto popular e as relacionou a sua experiência de trabalho em um centro de violência contra a mulher, em Araraquara.
A tese -que levou nota 10 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras- analisa a relação do lobo com a menina. Segundo Andréa, a história conta, na verdade, um ato de violência sexual de um homem (lobo) contra uma mulher (Chapeuzinho).
A socióloga analisou as primeiras versões do conto popular -a camponesa francesa (sem autor) do século 17, a do francês Charles Perrault do século 18 e a dos irmãos Grimm, do 19. A última é a mais difundida e conhecida hoje.
Em todas, diz o estudo, a relação com sexo é clara. "Tire a roupa e deite-se comigo", diz o lobo a Chapeuzinho na versão camponesa.
"A menina-mulher é forçada a se deitar pelada na cama e devorada pelo lobo-homem. O lobo é o homem, o instinto. Chapeuzinho é a mulher, a fragilidade", diz.
E qual é a moral do conto?, pergunta Andréa. "Nas três versões estudadas, Chapeuzinho é a grande culpada por ter sido devorada." Na primeira, a menina é culpada porque se deixou seduzir pelo lobo. Na segunda, ela é ingênua. E, por fim, na terceira, o defeito de Chapeuzinho foi ser desobediente.
"Ela sempre foi a culpada por ter sucumbido ao lobo. Isso é terrível para a mulher", afirma Andréa.
A moral da história está, segundo a socióloga, embutida no inconsciente de muitas mulheres. "Está cheio de Chapeuzinhos no mundo, principalmente aquelas que são agredidas por homens."
M., 49, foi estuprada quando tinha 27. Ela mora no interior de São Paulo e o autor da violência morava na casa ao lado da dela.
Quando conta o estupro, faz questão de dizer que "acha que estimulou o vizinho". Tanto que demorou um mês para contar a agressão para os pais. "Era tarde. Convidei ele para entrar e então me agarrou e fez sexo comigo. Eu não queria, mas não devia ter deixado ele entrar." "Ela é a própria Chapeuzinho", diz Andréa.

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