São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Não basta apontar o dedo gelado da acusação

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Claro que o Palmeiras pode hoje dar um drible na lógica e ganhar do Corinthians. Em futebol, essas histórias remontam ao paleolítico. A camisa e tal e cousa e lousa e maripousa. Mas, convenhamos, não é só o time do Corinthians -muito mais forte, nestas circunstâncias- que o Palmeiras enfrenta esta tarde. É um estádio inteiro tomado de assalto pela Fiel, cujo grito de guerra faz arrepiar até o ovo do Colombo.
Sei bem que o velho palestrino mais fanático haverá, neste instante, de estar exumando lá no cantinho da memória a histórica decisão de 74: o Palmeiras estava desacreditado, enfastiado de títulos mesmo, e o Morumbi arqueava sob o peso da Fiel, quando Ronaldo foi lá e impôs um silêncio quase tão tumular como o do fatídico 16 de julho de 50, no Maracanã.
Mas havia, então, uma diferença palmar: apesar de Rivelino, o Corinthians daqueles tempos nem chega perto do atual. Não, pelo menos, no brilho de sua constelação de estrelas. Ah, sim, em contrapartida, aquele Palmeiras ainda tinha Ademir da Guia, sempre Ademir da Guia, além de Dudu.
Hoje, nem pensar. Nem sequer Cafu, Djalminha, Cléber, Luizão, para não irmos além à procura de Muller, Antônio Carlos, Edmundo, Rivaldo etc.
Talvez Viola, com as cordas estendidas ao limite da desafinação. Quem sabe?
*
Taí por que relutei em celebrar as excelentes exibições brasileiras naqueles jogos amistosos realizados até agora: desde a Copa América -há mais de dois anos- nossa defesa me causa vertigens. Mesmo na longa série invicta da seleção, alimentada a canja de galinha, que é como os antigos chamavam os adversários descategorizados, aqui e ali, quando pressionada, nossa defesa se abria feito flor na primavera.
E não basta apontar este ou aquele zagueiro com o dedo gelado da acusação. Por ali, desfilaram dezenas de beques, de todos os estilos e categorias. Todos foram tragados pelo buraco negro. Assim como o rodízio dos volantes, à sua frente, até embicarmos na dupla campeã do mundo Dunga-Mauro Silva.
É mais do que evidente que não se trata de falhas individuais, embora um dos quatro gols da Noruega, sexta-feira, em Oslo, tenha nascido de um vacilo infantil de Márcio Santos. Tampouco pega atribuir a humilhante goleada ao famigerado jogo aéreo europeu, atávico desvio genético do nosso futebol.
Nada disso. É clara, flagrante, indiscutível, a má distribuição tática do nosso sistema defensivo no campo. Jogamos com a zaga em linha, de lateral a lateral, assim como os dois volantes (e não três, como insiste em afirmar Zagallo, posto que Leonardo atua como autêntico meia-esquerda) perfilam-se lado a lado. Não há o menor senso de profundidade nesse sistema. Logo, um passe transversal, como o do segundo gol norueguês, mata, numa só cajadada, seis coelhos nacionais.
Enquanto Zagallo não escalonar esse sistema defensivo, prefiro deixar o champanhe gelando para a eventualidade de ter que afogar as mágoas que se avizinham.

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