São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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A patente que veio do índio

PAULO HENRIQUE BRAGA
DE LONDRES

Um cidadão britânico nascido em Roraima patenteou uma substância extraída de uma planta da Amazônia e pretende produzir medicamentos a partir dela.
O químico Conrad Gorinsky tem a patente do rupununine, substância obtida a partir de sementes da árvore bibiri (Octotea rodioei), encontrada na fronteira do Brasil com a Guiana, e deu entrada no pedido de patente do cumaniol, composto químico extraído de um veneno feito de folhas de mandioca, usado para pesca na Amazônia. A substância seria, segundo ele, "o mais potente estimulante do sistema nervoso central".
O cumaniol pode ser usado, por exemplo, para parar o coração durante cirurgias em que o procedimento é necessário.
O texto da patente do rupununine, obtido pela Folha, diz que a semente é usada pelos índios wapixana, de Roraima, como contraceptivo oral. Fala ainda em outras possíveis aplicações para o rupununine, entre elas a inibição do desenvolvimento de tumores e o controle do vírus da Aids.
Gorinsky, 61, é filho de um polonês "que se perdeu em um banco de areia e encontrou uma índia bonita". Viveu na Amazônia até os 17 anos. O químico montou uma empresa, a Biolink, com sede no Canadá, para tentar produzir um remédio a partir do rupununine.
No momento, está em contato com empresários canadenses para conseguir fundos para sua pesquisa e também estuda uma associação com a Pronatos, uma pequena empresa farmacêutica de Manaus.
Ele afirma que seu objetivo é produzir remédios mais baratos do que os fabricados por grandes indústrias farmacêuticas.
"Os investimentos da indústria farmacêutica estão concentrados em biologia de tubo de ensaio."
Gorinsky admite que países como o Brasil "têm de ter algum tipo de benefício pelos seus recursos biológicos."
Mas seu tom muda quando é questionado sobre o que ele mesmo pretende fazer, se seu remédio tiver êxito no mercado, para ajudar os nativos que já usavam a planta e possibilitaram sua descoberta. Ele diz que "não existe ninguém confiável" para receber o dinheiro. "O governo da Guiana está interessado em ganhar dinheiro rapidamente. Se eu fizer doações para os habitantes locais, eles vão comprar moto-serras."
"A maior parte da floresta já foi sequestrada, em concessões para madeireiras. Eles (o governo) vão gritar, como todo mundo, contra a exploração do conhecimento indígena. Se você quiser, pode se juntar ao coro", disse.
Sobre o fato de a convenção da ONU sobre biodiversidade exigir que parte do lucro obtido com medicamentos seja destinado às comunidades indígenas, Gorinsky diz que "comunidade local geralmente significa um burocrata que vai com uma maleta para a Suíça, com uma passagem só de ida".
Gorinsky afirma também que, se não fosse a ação de homens brancos como ele, que tem registrado os usos das substâncias, os índios provavelmente já teriam esquecido a utilidade de muitos produtos encontrados na floresta.
Patentear as substâncias seria uma maneira de garantir que o conhecimento não se perca com a destruição da floresta e de fazer com que os produtos tenham algum valor. "Até eu ter feito isso, não havia valor nenhum."
O químico afirma que o Brasil deveria assumir uma posição clara de defesa de seu patrimônio biológico perante a comunidade internacional, para evitar a destruição.
Gorinsky diz ainda estar envolvido em um projeto patrocinado por grandes empresas britânicas para que os índios macuxi, da Guiana, possam se comunicar via computador com o resto do mundo.

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