São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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E os barbeiros continuam...!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A notícia foi dada pelo "Jornal Nacional" na última segunda-feira. Um prefeito, desesperado ao ver avançar a doença de Chagas em Cacimba da Areia, na Paraíba, prometeu R$ 20 para cada cem barbeiros que fossem capturados pela população.
A campanha durou apenas um dia. O primeiro premiado capturou 350 mosquitos, ganhou R$ 70 e quebrou o caixa da prefeitura. O município continua com os barbeiros e, agora, com menos dinheiro.
Minha amiga Joaninha, que lecionou 40 anos no interior de São Paulo, onde a doença de Chagas também foi grave, telefonou-me para protestar contra a escolha de 1997 como o "ano da saúde". Ponderei que isso deve ter sido por causa da CPMF, que vai arrecadar cerca de R$ 6 bilhões para a saúde.
Ela argumentou, porém, que as filas do SUS continuam tão compridas quanto antes e que os hospitais conveniados não podem fazer milagres. Afinal, o SUS lhes paga R$ 4 por uma diária hospitalar quando só a roupa lavada (de um leito) custa R$ 6.
Nas longas filas do SUS, a Joaninha tem colhido informações inusitadas. Ela me contou que um pobre cardíaco, chefe de família, teve a sua ponte de safena marcada para janeiro de 1999. Esse hospital costuma receber de 15 a 20 telefonemas de cada paciente, na esperança de uma desistência na fila das cirurgias. O interessante é que, de repente, eles param de telefonar. Hipótese da atendente do hospital: os pacientes melhoraram. Certeza da Joaninha: eles morreram.
As justificativas para tamanho descaso se referem à escassez de recursos. De fato, o Brasil é um país pobre e endividado. Mas a verdadeira explicação não está na falta de recursos, mas sim na falta de prioridade -como bem diz a Joaninha.
Recursos existem. O governo não pára de encampar "micos" de bancos públicos e privados, gastando para isso dezenas de bilhões de reais. Por quê? Porque a saúde do mercado financeiro é mais importante do que a saúde dos brasileiros. É ou não é uma questão de prioridade?
Mas 1998 está aí. É ano de eleição. Não faltarão candidatos denunciando as mazelas da saúde, prometendo o possível e o impossível para eleitores esperançosos. A saúde é um grande filão eleitoral.
Seria de utilidade adaptarmos no Brasil a prática da Nova Zelândia. Naquele país, o candidato que promete resolver um problema tem de dizer como o fará, pois, do contrário, o seu adversário ganha o mesmo tempo de televisão (pago pelo primeiro) para denunciar a sua demagogia. Esse expediente tem contribuído para reduzir a enganação e melhorar a seriedade das promessas eleitorais.
Mas, enquanto isso não chega, só resta aos brasileiros continuar pagando a CPMF e praticando o salutar esporte de catar barbeiros... e viva o Brasil!

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