São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Eliminando gorduras

ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA; DEBORAH GIANNINI

Nova droga para emagrecer não atua no cérebro, elimina um terço da gordura ingerida corpo e promete revolucionar o tratamento da obesidade
300 mil pessoas morrem por ano nos EUA de doenças evitáveis ligadas à obesidade
10% das ocorrências de câncer de cólon nos EUA são em pessoas com sobrepeso
42% foi o aumento desde 1980 da taxa de obesidade entre crianças nos EUA
POR ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
E DEBORAH GIANNINI
A dona-de-casa Regina Célia Mattar Chiyoda, 43, perdeu 8,5 kg em seis meses. Não chega a ser uma cifra extraordinária, em se tratando de dieta -foi menos de 1,5 kg por mês. O excepcional no caso de Regina é que ela emagreceu usando remédio, sem sofrer os típicos efeitos colaterais: não teve insônia, taquicardia ou boca seca.
Regina, 1,53 m e 96 kg, que começou a engordar depois da segunda gravidez, foi uma das mais de 200 "cobaias" usadas para o teste no Brasil de uma nova droga que promete revolucionar os tratamentos contra obesidade: o Xenical, primeiro remédio que age no intestino e não no sistema nervoso.
O medicamento foi recomendado por um comitê de cientistas norte-americanos no mês passado e espera agora a aprovação do FDA, órgão de controle de saúde dos EUA. No Brasil, o Xenical deve chegar no ano que vem.
Antes de usar o remédio, Regina chegou a tomar anfetamínicos -inibidores de apetite- durante sete meses. Perdeu 5 kg, mas ganhou noites sem sono, palpitações e nervosismo.
"Eu tinha de tomar o remédio às 10h30. Se esquecia, sentia uma tremedeira que me impedia até de segurar uma xícara de café", conta. Para ela, a principal diferença do Xenical é que permite emagrecer "passando bem".
A "mágica" da nova droga é fazer com que 30% da gordura ingerida seja eliminada diretamente pelas fezes. O remédio age inibindo a ação da enzima lipase, que fica no estômago e intestino "picotando" as macromoléculas de gordura em pedaços assimiláveis pelo organismo (veja quadro na pág. 12).
O Xenical impede que a lipase "picote" 1/3 das gorduras, que não conseguem, inteiras, passar pelas paredes do intestino, entrar na corrente sanguínea e se depositar na barriga ou nos famosos "pneuzinhos".
A parte "não-picotada" da gordura é expelida nas fezes. Vem daí o pior efeito colateral do Xenical: a diarréia, mas que só ocorre quando há abuso de alimentos ricos em gordura.
Para os médicos, essas diarréias são "instrutivas": provocariam uma reeducação alimentar, porque a pessoa aprenderia que, se exagerar nas comidas gordurosas, sofrerá no banheiro.
Regina sofreu esse "processo educativo" em um almoço em uma churrascaria. Ela abusou da linguiça, picanha e cupim. "Fiquei com peso na consciência, mas saiu tudo no vaso sanitário."
Como a gordura não é digerida, as fezes se tornam oleosas. Os médicos acham também isso bom: o paciente aprenderia, olhando as próprias fezes, o que está comendo e sentiria repulsa.
Com 1,60 m e 96 kg, Silvia Birulio, 31, analista de desenvolvimento do Hospital das Clínicas (SP), quis participar do teste do Xenical por causa do acompanhamento médico que receberia.
Ela perdeu 7 kg em seis meses, mas faz mais restrições que Regina. "Não é toda hora que você pode tomar o medicamento, se não passa apuro. Eu evitava tomar o Xenical em certos lugares, porque não dava para sair correndo. Não dá para segurar, é incontrolável", diz.
Ela conta que a pior experiência foi durante uma viagem. "Logo cedo, sentei à mesa para tomar café-da-manhã. Quando levantei, minha saia estava toda manchada de óleo atrás." Depois do teste, em 94, Silvia recuperou peso. Faz agora um tratamento psicológico. "Meu problema é a compulsão. A terapia ajuda mais que remédios."
Testes
Cerca de 4.000 pessoas no mundo todo já foram testadas com o Xenical, cujo princípio químico chama-se Orlistat. No Brasil, mais de 200 obesos foram "cobaias" entre 1992 e 1994.
O endocrinologista Alfredo Halpern, professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP, coordenou os testes em 50 pessoas. Durante seis meses, elas foram divididas em cinco grupos. Um deles tomou cápsulas de placebo. Os outros quatro receberam diferentes doses de Xenical, variando entre 30 mg e 240 mg. Todos seguiram uma dieta.
"Apenas 22% das que tomaram placebo e fizeram regime perderam mais de 10% do peso. No grupo do Xenical, esse número chegou a 43%", diz Halpern.
O endocrinologista diz que, apesar de 10% parecer pouco, os pacientes apresentaram uma melhora geral em todos os fatores de risco ligados à obesidade: reduziram o nível de colesterol e a taxa de açúcar no sangue. "O Xenical só deve ser usado por obesos e com acompanhamento médico", alerta Halpern.
Quarta geração
O Xenical é considerado a quarta geração entre os remédios para emagrecer (veja quadro na pág. 12). Até agora, todos os produtos -os chamados inibidores de apetite- agiam no cérebro, atuando nos neurotransmissores -substâncias "trocadas" entre os neurônios.
Existem basicamente três neurotransmissores ligados às sensações de fome e saciedade: a noradrenalina, a dopamina e a serotonina. Quando "falta" noradrenalina ou dopamina no cérebro, o indivíduo sente fome. Os anfetamínicos agem sobre esses dois neurotransmissores. Impedem que os neurônios absorvam parte da noradrenalina e da dopamina, aumentando a concentração das duas no cérebro, o que acaba com a fome.
Comercializados com os nomes de Inibex, Hipofagin e Dualid (à base de Dietilpropiona), Abstem, Dastem e Fagolipo (Mazindol) e Desobese-M (Fenproporex), esses remédios podem provocar os seguintes efeitos colaterais: agitação excessiva, boca seca, insônia e taquicardia.
Eles são indicados para pessoas que só comem nos horários da refeição, mas exageradamente. "Só obesos ou pessoas que sofrem de complicações relacionados à obesidade, como diabetes e hipertensão, devem tomar remédios", diz Marcio Mancini, médico-assistente do Grupo de Obesidade e Doenças Metabólicas da Faculdade de Medicina da USP.
A empresária Sônia Haddad Cifali, 50, 1,75 m e 90 kg, começou a tomar anfetamínicos aos 16 anos e teve sérios efeitos colaterais. "Fiquei nervosa, deprimida, com secura na boca, insônia, ousada no volante, sem dar muito valor à vida. Certa hora, resolvi largar o tratamento abruptamente, cheguei aos 146 kg. Pensei em me suicidar", diz.
Há dois anos, Sônia começou a tomar Isomeride. "Dessa vez, me dei bem. A anfetamina me deixava ansiosa. Engordar é como uma caderneta de poupança: tudo vem com juros e correção monetária. Quanto mais pesado se está, é muito mais fácil pegar peso", diz.
O Isomeride, o Fluril e o Delgar fazem parte da terceira geração de remédios, à base de Dexfenfluramina, que surgiu há 12 anos na França, há sete no Brasil e começou a ser vendida nos EUA em 96, com o nome de Redux.
A Dexfenfluramina age sobre o terceiro neurotransmissor: a serotonina, responsável pelas sensações de saciedade e bem-estar. O princípio químico é o mesmo: a droga impede que os neurônios "absorvam" a serotonina, aumentando sua quantidade no cérebro. Só que o resultado é diferente: a pessoa sente fome, mas se satisfaz comendo apenas um terço do que normalmente comeria.
Imagine quatro pessoas em uma pizzaria. Quem não faz dieta come três pedaços de pizza. Aquele que está tomando Fenproporex (um anfetamínico) sente enjôo assim que vê a pizza e não come nada. Quem toma o Isomeride se satisfaz com apenas um pedaço. E o quarto, que toma Xenical, come pizza, mas corre para o banheiro.
A Dexfenfluramina é recomendada para os comedores compulsivos, aqueles que "beliscam" o dia todo. Seus efeitos colaterais são fadiga, diarréia, boca seca, pressão baixa e sonolência. Não são indicados para depressivos.
Um outro problema da Dexfenfluramina é que ela aumenta a chance de o paciente contrair uma rara doença que pode ser fatal chamada hipertensão pulmonária primária (HPP), que destrói veias no coração e pulmões.
A arquiteta Ângela de Sousa, 43, 1,66 m e 70 kg, encontrou a solução para emagrecer no Isomeride. Há dois anos faz tratamento com a droga e não sente efeitos colaterais. "Me sinto bem com ele. De vez em quando, tomo meio Lexotan para tirar a ansiedade", diz.
Com o remédio, ela perde 1 kg por mês -já emagreceu 20 kg. "Sou gordinha desde pequena", diz. Com 13 anos e 70 kg, tomou o primeiro inibidor de apetite. "Fiquei bem por seis meses. Depois emagrecia e engordava.
Mania de gorda
A forma atualmente mais usada para o cálculo da gordura é o IMC, ou Índice de Massa Corpórea (veja quadro à pág. 11). Para chegar ao IMC, divide-se o peso da pessoa (em quilos) pelo quadrado da sua altura (em metros). Os remédios são indicados, em geral, para quem tem IMC acima de 30.
"Quando o IMC está abaixo de 25, uma pequena correção no hábito alimentar é suficiente para que se perca peso com facilidade", diz Marcelo Bronstein, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
No entanto, nem sempre essa receita é seguida à risca. A relações-públicas Andréa Fambrini, 22, 1,61m, 58 kg e IMC 18, toma duas fórmulas por dia: um anfetamínico para tirar a fome, e um complexo para a ansiedade. A receita foi prescrita por um "amigo" endocrinologista depois da insistência de Andréa, que tem "mania de gorda".
Antes de chegar às fórmulas, ela já tomou Inibex (anfetamínico) e fez a dieta do "sopão". "Todo mundo fala que eu não preciso emagrecer, mas me acho gorda. Tomei Inibex por três meses, emagreci 6 kg. Fiquei louca e magra."
A decoradora Helena Viscomi, 39, 1,61 m, 55 kg e IMC 17, é outra adepta dos remédios para emagrecer. Começou a tomar anfetamínicos aos 15 anos. "Tomava remédio para emagrecer antes de ir a uma festa. Isso acontece direto: quero pôr um blazer que está muito justo, começo a tomar remédio." Há dez meses, Helena descobriu o Isomeride. "Quando acho que preciso, compro Isomeride e fico bem, me sinto magra."
De olho no filão que envolve esses medicamentos -em 96, foram vendidos no Brasil R$ 340 milhões em inibidores de apetite-, além do Xenical (embora não tão revolucionário) os laboratórios prevêm o lançamento de mais um remédio para emagrecimento: o Reductil.
A nova droga está sendo analisada pelo FDA nos EUA. No Brasil, o laboratório Knoll aguarda o seu registro no Ministério da Saúde, que deve ocorrer ainda neste ano. Segundo pesquisas feitas pelo Knol, o remédio teria menos efeitos colaterais do que os outros que também atuam no cérebro.
O princípio ativo do Reductil é a sibutramina, que age tanto na fome quanto na saciedade. Mantendo um alto nível de dopamina, noradrenalina e serotonina no cérebro, o Reductil faz com o paciente não só não sinta fome, mas também se sinta satisfeito. Em uma pizzaria, seria o tipo de pessoa que, além de não comer nada, ainda sairia satisfeito.

Produção: Dedê Pissinatto
Maquiagem: Rodrigo G.
Agradecimentos: Tatou e Éricas

Texto Anterior: Como é o bichinho virtual
Próximo Texto: Eu preciso emagrecer?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.