São Paulo, domingo, 1 de junho de 1997
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Eu preciso emagrecer?

MARIANE COMPARATO

1 em 5 adolescentes norte-americanos estão bastante acima do peso
58 milhões de norte-americanos estão com sobrepeso ou são obesos
11% dos casos de câncer no seio nos EUA ocorrem em mulheres acima do peso normal
Para ter uma idéia de quais são os critérios usados pelos médicos na hora de receitar um moderador de apetite, fui visitar seis endocrinologistas em São Paulo.
Sem me identificar como repórter, contei-lhes meu caso real: ganhei três quilos desde o começo deste ano sem motivo aparente. Disse que gostaria de perdê-los. (Na balança, acusei 53 kg, sendo que meço 1,62 m: meu Índice de Massa Corpórea é, portanto, 20,2, considerado normal, quase magro).
Em nenhum momento cheguei a pedir um remédio. Não inventei histórias, nem detalhes. Disse apenas que não consigo seguir dietas, que não faço muitos exercícios físicos por falta de tempo e que tenho me sentido um pouco ansiosa ultimamente.
O teste resultou em empate: três profissionais me receitaram anfetamínicos sem que eu insistisse, além de dieta e exercícios, e três recomendaram apenas os dois últimos.
Médico 1
Consultório nos Jardins, preço R$ 120. Após cinco minutos de conversa, ele me avisou que iria complementar a dieta com um moderador de apetite.
Receitou o anfetamínico Fenproporex (20 mg), o aminoácido Metionina (7 mg), a vitamina Piridoxina (50 mg) e o laxante Cáscara-Sagrada (100 mg).
A consulta durou 45 minutos. Ele me pesou, mediu, tateou minha tireóide, tirou a pressão e fez perguntas sobre a minha menstruação, metabolismo e hábitos.
Médico 2
Consultório na Bela Vista, médico professor da USP, preço R$ 140. Não cheguei a tirar a roupa para ser pesada. O médico tateou minha tireóide e fez perguntas sobre a minha menstruação. Disse que meu peso estava normal, mas, como eu queria emagrecer, ia me dar uma dieta.
Perguntei se, no meu caso, os inibidores de apetite eram recomendados, ele entendeu que eu queria tomar remédio e me deu uma receita de anfetamínico em dosagem pequena (20 mg diários de Fenproporex).
Avisou que eu podia ficar um pouco excitada, sem sono na primeira semana, mas que aquela era a dose mínima. Perguntei se não podia haver complicações, e ele me disse que "os problemas, em geral, vêm dos calmantes que são receitados junto". A consulta durou 50 minutos.
Médico 3
Consultório na região central, preço R$40. Seus honorários são pagos antes da consulta. A recepcionista me deu uma senha e já avisou que a farmácia onde se compra o remédio do "Dr. Wanderley" fica no 12º andar do mesmo prédio.
Enquanto esperava, passaram pelo consultório dezenas de mulheres, gordas e magras, todas saindo com receitas na mão. Minha consulta durou exatos seis minutos -e também ganhei remédio. Quando perguntei se sentiria algum efeito colateral, afirmou: "Isso não existe".
Minha receita foi do calmante Benzodiazepinona (4 mg), o anfetamínico Dietilpropiona (75 mg), Sene, Rhamus Purshiana, Cassia Acutifolia e Fenolftaleína (laxante), 20 mg cada por dia.
Médico 4
Bernardo Leo Wajchenberg (r. Itapeva, Bela Vista, R$ 280), professor de clínica médica da Faculdade de Medicina da USP. O médico me passou um "pito": eu não tinha nada para perder. Pelo contrário, estava abaixo do meu peso ideal. E anfetamina, "com essa magreza toda, é um absurdo". A contragosto, me deu apenas uma pequena dieta.
Médico 5
Trajano César de Lacerda (al. Lorena, Jardins, R$ 160). Depois de me examinar, pediu um hemograma, me deu uma dieta, recomendou exercícios e pediu que eu voltasse após ter feito o exame. Acrescentou, antes que eu dissesse qualquer coisa: "Pode ir tirando o seu cavalinho da chuva, que eu não vou te dar anfetamina".
Médico 6
Vânia Assaly (r. Bento de Andrade, Jardins, R$ 170). Solicitou, antes da consulta, que eu preenchesse um questionário de cerca de 20 páginas e demorou 1h15 na consulta em perguntas sobre o meu organismo, estado emocional, hábitos alimentares e físicos. Ao final, pediu um hemograma, recomendou uma dieta, exercícios e vitaminas. Indagada sobre anfetamínicos, afirmou que, no meu caso, não tinha o mínimo propósito. "Isso vicia", disse.

Depois da série de consultas, nas quais me apresentei com o nome fictício de Maria Clara da Cunha, entrei novamente em contato com os médicos que me deram moderadores, dessa vez me identificando como repórter da Revista da Folha.
Perguntei primeiro em que casos eles receitavam inibidores de apetite. Todos, sem exceção, disseram: "remédio é a última alternativa", "apenas para casos de obesidade severa", para "pessoas com índice de massa corpórea acima de 30", "que já testaram todos os outros tipos de tratamento e passaram por vários exames".
Em seguida, perguntei por que tinham prescrito drogas para a paciente Maria Clara. "Em geral, pacientes que recebem uma medicação rápida já vieram de outros tratamentos", disse o médico 3.
"A paciente apresentava um quadro de grande ansiedade, o que justificava o uso de anfetamina", disse o médico 2.
O médico 1 afirmou que a paciente poderia recorrer com parcimônia ao remédio, mas que ela realmente estava dentro de seu peso correto. O médico pediu que Maria Clara retornasse ao seu consultório para que ele pudesse "continuar seu tratamento".
Todos afirmaram que as doses receitadas eram baixíssimas. Mas, afinal, qual é o problema de tomar anfetamínicos sem necessidade?
A farmacologista Solange Nappo, do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, afirma que esses remédios têm uma dose certa, recomendada pela Organização Mundial da Saúde, para surtir o efeito terapêutico desejado.
Se a dose prescrita for abaixo da recomendada -como foi o caso de duas receitas de Fenproporex (o ideal seria entre 23 mg e 25 mg diários e o prescrito foi 20 mg)-, a finalidade, que é diminuir o apetite, não se manifesta, mas os efeitos colaterais da droga (taquicardia, prisão de ventre, falta de sono e irritabilidade) aparecem assim mesmo.
"Veja só que ótimo negócio: a pessoa não emagrece e ainda pode sofrer todos os efeitos colaterais do remédio", diz Solange.
Outro anfetamínico, Dietilpropiona, receitado por Amorim, é quase impossível de ser tomado sem o uso simultâneo de calmante, porque o paciente costuma ficar muito excitado.
Solange também alerta para o perigo de causar distúrbios sem necessidade: "Geralmente, essas anfetaminas dão prisão de ventre. Para corrigir esse efeito colateral, um laxante é receitado junto. Quer dizer, estão mexendo no intestino, sem qualquer necessidade".
O endocrinologista Marcio Mancini diz que "a pior coisa de aprender a comer tomando remédio é que, na hora de tirar o medicamento, a pessoa pode engordar tudo de novo". "Dar inibidores a um paciente magro é a mesma coisa que dar um remédio contra hipertensão para quem não precisa. Corro um risco, mesmo que pequeno, de induzir um problema em alguém saudável", diz.
Nas palavras de Solange Nappo: "É como tomar morfina para dor de cabeça".

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