São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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Quem é contra o álcool?

HÉLIO ROSAS

Faltam poucos anos para o final do século 20 e, para os produtores de álcool, são inevitáveis a perplexidade e o temor com o legado de incerteza e impasse em relação a seu produto.
Apesar de contar com inúmeros defensores durante todos os governos pós-75 -Geisel, Figueiredo, Tancredo, Sarney, Collor e Itamar-, acima de posturas ideológicas ou crenças econômicas, o fato é que o álcool vive hoje uma perturbadora dúvida quanto ao seu futuro na matriz energética brasileira.
A cada ano diminui dramaticamente o número de veículos movidos pelo combustível. A indústria automotiva fabricou em março apenas 40 carros a álcool.
O presidente Fernando Henrique Cardoso declarou-se, inúmeras vezes, "fervoroso fã do álcool". Para o presidente, seria um equívoco abrir mão de um capital tecnológico do porte do Proálcool, o maior programa de combustível alternativo do mundo.
O ministro de Minas e Energia, Raimundo Brito, reiteradas vezes se posicionou como defensor dos incentivos à produção do combustível. "O Brasil tem uma posição de destaque no cenário mundial de produção de álcool, e devemos nos preparar para ampliar essa participação", disse ele no ano passado.
O ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo, Francisco Dornelles, afirmou estar determinado a trabalhar na manutenção e revitalização do Proálcool, que, de 1976 até agora, foi responsável por um movimento de mais de US$ 33 bilhões. No Congresso Nacional, a Frente Parlamentar Sucroalcooleira, que já conta com quase metade dos parlamentares, vem realizando diversas mobilizações.
O povo também aprova o álcool. Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi, os brasileiros demonstraram claro apoio na ênfase ao desenvolvimento do álcool. A maioria das pessoas (75%) declarou-se favorável ao incentivo do governo à produção do combustível.
Segundo o levantamento, 85% das pessoas têm consciência de que o álcool não é poluente e, por isso mesmo, é melhor para o meio ambiente. As pesquisas também mostram que uma posição favorável para uma política energética renovável no Congresso seria importante elemento de definição para o eleitor na hora do voto.
Tal ordem de apoio e convergência não tem propiciado definições efetivas para a inserção competitiva do álcool na matriz energética brasileira. Justamente quando o mundo inteiro investe alto em pesquisa e tecnologia na produção de energia renovável, o Brasil não dedica a necessária importância ao produto.
Dezenas de países estão trabalhando em programas consistentes na busca de tecnologia para a produção de etanol de biomassa, lutando contra a dependência do petróleo. Para nos limitarmos a um único exemplo, vejamos os EUA, que inevitavelmente vêem qualquer enfraquecimento em sua supremacia global como um desafio a ela -e como um sinal de alerta para seu aperfeiçoamento.
Para uma idéia mais precisa da importância que o país vem dando ao produto, basta dizer que sua produção teve incremento de 70% nos últimos dois anos, chegando hoje a 6 bilhões de litros -cerca de 45% da produção brasileira. Ressalte-se ainda que o programa americano possui apenas cinco anos.
Artigo do senador Dan Schaefer, publicado no "Washington Post", mostra bem como pensa aquele país. "Devemos reduzir gradualmente nossa dependência dos combustíveis fósseis, porque encaramos a possibilidade, no longo prazo, de ficar sem essas fontes. Se mantivermos um adequado nível de pesquisa e desenvolvimento agora, os custos e a inconveniência para nós e nossos descendentes serão muito menores do que obrigarmos as futuras gerações a embarcar em programas emergenciais de pesquisa e desenvolvimento de fontes energéticas -que deixamos de financiar nos anos 90", diz ele.
Ou seja, eles estão construindo, agora, a competitividade do futuro, pois não querem ser pegos de surpresa no dia em que os combustíveis fósseis começarem a encolher na oferta e a disparar no preço.
O mundo hoje está cada dia mais consciente de que, a despeito dos preços e da oferta aparentemente abundante de hoje, deve preocupar-se em desenvolver novas tecnologias energéticas que levem suas nações para os séculos 21, 22 e além.
O álcool é uma fonte energética ambientalmente sadia e sustentável. E note-se que não é apenas uma boa política pública promover a energia limpa: o mercado internacional atual de prevenção à poluição e de tecnologias ambientais já bate em US$ 300 bilhões, com potencial para atingir US$ 600 bilhões por volta do ano 2000.
Somente a completa falta de memória justifica o tratamento dado hoje ao álcool. Será que todos esqueceram a imensa tragédia da crise do petróleo de 1973? Será aconselhável expor a segurança econômica mundial aos humores da Casa de Fahd -uma monarquia feudal de um reino no deserto, localizada numa das mais voláteis regiões do planeta?
O Brasil pode e deve, por meio do incentivo a uma política de energia doméstica, manter-se à margem dos incontroláveis movimentos e das imprevisíveis flutuações do preço do petróleo. Além disso, os bilhões de dólares gastos em importação de petróleo têm reais consequências econômicas para a nação: contribuem para a inflação, exaurem nosso capital doméstico de investimento, desvalorizam nossa moeda e reduzem nosso padrão de vida.
Ao lado de tantos exemplos e fatos, o Brasil assiste perplexo à indefinição que continua dominando a questão do álcool.

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