São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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Xô, urubu!

LUÍS NASSIF

A sucessão de escândalos que assola a vida pública nacional, por vezes, provoca certo desânimo naqueles que apostam na construção de um grande país.
Mas não há nada de mais irritante do que as manifestações de ceticismo dos naturalmente céticos, e os exercícios de autocompaixão dos naturalmente coitadinhos. Passa a falsa impressão de que algum dia acreditaram.
Está nas mãos da nossa geração o maior desafio da história do país: o de transformar uma nação burocratizada, patrimonialista, institucionalmente corrupta, em nação moderna e sob controle social.
Se fosse fácil, gerações anteriores já teriam dado conta do recado. Se impossível, nada haveria de concreto a se mostrar.
No entanto, não é isso o que ocorre. Há enorme distância a se percorrer, até chegar a um país moderno. Mas muito já se avançou nos últimos anos.
Há mudanças sensíveis na mentalidade empresarial, sepultando os velhos coronéis de chaminés, que sempre dominaram a vida nacional. No âmbito municipal, a cada dia que passa mais aumenta o número de experiências criativas, tornando-se padrão. Regionalmente, há o florescimento de centros empresariais dinâmicos, que em outros tempos jamais teriam condições de prosperar.
A ansiedade em buscar resultados faz com que se esqueça que não fazem dez anos que a Constituição promoveu o início do federalismo brasileiro. A abertura da economia começou há menos de 7 anos, assim como os programas de qualidade. A privatização só agora começa a se consolidar. Tudo isso, em meio a crises hiperinflacionárias e políticas de toda espécie.
Mudança cultural
Reformas são relevantes, gerência é importante, mas as transformações do país se farão por meio da consolidação de novos valores e do exorcismo dos valores seculares, que sempre impediram a demarragem da economia.
Um dos nós culturais brasileiros é a incapacidade de pensar pragmaticamente nossos problemas. Denúncias têm importante papel didático. Trazem à tona problemas ocultos, reduzem resistências e permitem transformações.
No Brasil, por enquanto, servem apenas para o exercício inútil da catarse e para a troca de tiros entre grupos políticos. Não existe ainda a intenção de buscar as causas para apontar as soluções definitivas.
Um segundo nó é a incapacidade atávica de negociar, que marca a cultura brasileira -e que foi substancialmente agravada pela longa noite da ditadura, que se seguiu a 1964.
A negociação é elemento central em qualquer democracia e economia de mercado, seja na vida social, empresarial ou política. A arte da negociação pressupõe confiança entre as partes e clareza sobre os objetivos finais.
No entanto, ainda hoje é vista com desconfiança. Todo acordo político é tratado como espúrio. E, no campo empresarial, se persiste na visão pouco objetiva de condenar toda negociação pelo que ela poder trazer de positivo para o outro lado, independentemente do que poder agregar de benefícios para seu próprio lado.
Novos valores
O Brasil do futuro está sendo moldado hoje, nos novos valores que estão se consolidando neste momento. Ética do trabalho, as virtudes dos empreendedores, a capacidade de iniciativa da sociedade para resolver seus próprios problemas, as formas modernas de controle social sobre o Estado e sobre as empresas, a regionalização, tudo isso representa valores muito recentes, mas que a cada dia mais se impõem.
É evidente que essa sucessão de escândalos desanima qualquer um. Mas -se o leitor me permite um conselho-, quando encontrar um urubu pela frente, que diz que o Brasil acabou, dê-lhe o trabalho adequado: um sonoro xô, urubu!

Email: lnassif@uol.com.br

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