São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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Festa coletiva acabou

EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA

O suposto cartão vermelho levado pelas torcidas organizadas fez diminuir a violência nos estádios. É verdade. Mas junto com a violência uma boa parte, talvez a melhor, da alegria e do espetáculo também foram embora. Um estádio inteiro sem sequer uma bandeira tremulando é o que há de mais anti-clímax.
A entrada dos jogadores em campo, que antes era um grandioso espetáculo coletivo de imagens, com coros, coreografias, papel picado e fogos de artifício multicoloridos, virou uma minguada e nada fotogênica recepção com gritos dispersos e desconectados.
O que era uma festa coletiva, com todos os rituais que atribuem ao torcedor uma identidade de grupo, passou a ser uma egotrip. Muitos agora se desprendem da massa para torcerem solitários nos muitos clarões das arquibancadas.
Desprovido de seus ritos coletivos, sem bandeiras e fogos, o torcedor de agora tenta resolver a questão, e a tensão, no grito. A única forma de manifestação possível. É preciso rasgar a garganta para enxotar todo o mal que o adversário e a repressão representam. "Quando grito com o time, parece que o demônio vai embora", diz o office-boy corintiano Anderson Jesus, 14.
Já que a ordem é exorcizar o mal, os tordedores esbravejam, xingam e culpam a todos. O zagueiro que largou a defesa e se mandou para o ataque. O atacante que só fica na banheira. O meio campista que pipocou na dividida. E, claro, o juiz, culpado extremo de todo o mal existente entre as quatro linhas.
Há ainda quem prefira rezar para espantar os demônios que se escondem nos pés adversários. É o caso da estudante palmeirense Fabiana Freitas, 18, que ontem levou um terço para o Morumbi e rezou 53 ave-marias, 6 pai-nossos e um credo nos primeiros 15 minutos do jogo. "Um padre disse que hoje só com muita reza."
Sem festa coletiva, restam as pequenas histórias individuais. A violência nos estádios acabou por violentar a própria razão de existir dos torcedores.

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