São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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A máfia dos nomes exóticos

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lembro-me de uma aula de português em que, não sei por que cargas d'água, talvez porque a professora tivesse finalmente capitulado da tentativa inútil de ensinar alguma chatice de gramática, lemos um texto que basicamente trazia os piores nomes já dados. E era um festival, porque com essa nossa originalidade saem coisas fantásticas.
Houve um que botou no filho o nome de todos os jogadores da Copa de 70 (imagine a cena: Qual é o teu nome? Pelé Rivelino Jairizinho Gérson Clodoaldo Carlos Alberto Félix..."). Outro foi matemático: chamou o filho de Um Dois Três de Oliveira Quatro. O pior de todos, contudo, foi um casal de cinéfilos que resolveu homenagear suas musas Gina Lollobrigida e Ava Gardner e batizaram sua filha, triunfalmente, de Ava Gina (com um nome desses, quero ver a moça arranjar algum emprego ou marido sérios).
Não sei do que tanto ria a professora enquanto líamos o texto -aliás, nunca entendi do que tanto ria aquela louca. Então, cheguei à conclusão de que era da nossa cara, que pagávamos mensalidade e perdíamos bons anos aprendendo sobre as Ava Ginas da vida. A mim só pareceu que aquilo era motivo de espanto: imagine você ter na identidade o nome de Ava Gina ou Um Dois Três, sem nem ao menos ter feito nada para merecer isso.
A Bíblia diz que não é o nome que faz o homem, mas sim o contrário. Claro que é uma visão idílica, até porque naquele tempo os pais tinham mais bom senso e não cometiam esse crime contra sua prole. Nem um Moisés conseguiria se livrar do estigma que um nome desses carrega, pode ter certeza. Estaria no Egito até agora.
Pois não é que no nosso país parece também que o destino de algumas figuras está intimamente ligado aos seus nomes? Veja só: o negócio já começou mal. Nosso primeiro presidente se chamava Deodoro. O segundo, Floriano (desconfio até que toda sua brabeza era uma forma de compensar todas as gozações que deve ter sofrido no colégio com um nome desses). Nosso ditador se chamava Getúlio. O maior presidente: Juscelino. Até o nosso ditador-mor tinha a desgraça de se chamar Emílio (Garrastazu Médici), nome que nas Forças Armadas só deve dar ibope para funções não muito honrosas. Mas são esses últimos anos -e essas últimas semanas, em especial- que têm nos dado uma amostra farta de coitados com nomes compatíveis com a sua condição.
Itamar, que recebeu o nome por estar num navio chamado Ita no Mar (se tivesse nascido num navio Ota em um Rio, quem sabe teria desistido da política antes de nos azucrinar). E agora, com a pizza (alguém acha que vai dar em algo?) da reeleição, estamos expostos aos seguintes primores: Ronivon, um dos acusados, consegue ser tão canastrão quanto o cantor que lhe inspirou o nome.
O outro, que fazia a intermediação, se chamava Pauderney (?!?). Não que seja propriamente uma novidade em termos de canalhice, porque já tivemos um Onaireves (Severiano ao contrário, olha que original!) e um Jabes cassados. Até no Executivo, com os governadores Orleir e Amazonino, parece que somos vítimas da máfia dos nomes exóticos. Mas pode ser, enfim, que seja só mera coincidência.
É até mais provável, aliás, que o problema não esteja tanto nos nomes, mas no ambiente frequentado por nossos estadistas, mais pútrido que furúnculo. Até porque tivemos aí dois Fernandos -nome bonito- no cargo máximo da República, e o segundo parece estar, aos poucos, sendo contaminado pela mesma síndrome que afetou o primeiro. Para desespero dos Joões e Marias aqui de baixo, atônitos.

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