São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997 |
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Quem é descolado na vida não cola AUGUSTO PINHEIRO AUGUSTO PINHEIRO; SILVIA RUIZ
"Realmente, eu não sei." A partir daí, toda a classe fica sabendo a resposta da questão. Cena número 2: T.B.S, 15, está impaciente. Pede para a amiga R.B.P, 14, por meio de gestos, a resposta de uma questão. R.B.P. passa a mão no cabelo. T.B.S. marca então a alternativa C. Se R.B.P tivesse passado a mão na boca, seria B. As situações acima, assim como as demais descritas nesta e na página ao lado, poderiam constar de um filme de ficção intitulado "Picardias Estudantis", mas são verídicas e mostram o que vem acontecendo em muitos colégios de São Paulo. Os nomes e os rostos dos entrevistados foram preservados para evitar possíveis punições das escolas ou dos pais. Para os estudantes, nunca foi tão fácil colar. O difícil depois vai ser correr atrás do prejuízo: conseguir uma vaga em uma das poucas faculdades sérias do país e espaço no competitivo mercado de trabalho. Cada vez que você cola, está dando adeus à possibilidade de se desenvolver intelectualmente. "Na hora em que você tem um problema e usa a cola, deixa de construir um conhecimento para o futuro. Isso pode fazer falta, por exemplo, no vestibular ou na colocação profissional", diz Márcia Torres, mestre em psicologia escolar pelo Instituto de Psicologia da USP. Raciocínio no vestibular Apreender conceitos, resolver questões, organizar, correlacionar idéias, valer-se da criatividade, ou seja, exercitar o raciocínio é o que promove o crescimento intelectual. Essa capacidade está sendo exigido em provas de vestibulares importantes, como o da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Esta última, trouxe este ano uma novidade: a prova de física veio acompanhada das fórmulas. Já na Fuvest, das 20 questões de física, só 2 exigiam fórmula. As outras 18 discutiam conceito e pediam raciocínio. "Todo trabalho de estudo que você realiza é como se estivesse cuidando de uma semente que vai germinar amanhã. Quando isso é feito por empréstimo, ele perde a construção do conhecimento de que vai precisar para o resto da vida", diz Márcia. E mais: hoje as informações estão disponíveis em todo lugar. Não apenas nos livros, mas na Internet, na TV... "É preciso aprender a fazer relações", lembra Luís Márcio Barbosa, diretor do colégio Equipe. Do contrário, se não souber discernir essa avalanche de informações, "você será soterrado por elas", completa Nilson José Machado, professor da Faculdade de Educação da USP. "Eu acho um absurdo esse slogan 'Quem não cola não sai da escola'. Deveria ser trocado por 'Cola é o fim da escola', diz Machado. O profissional do futuro Quanto ao mercado de trabalho, o que se exige hoje e muito mais ainda no futuro são pessoas criativas, que tenham conhecimento geral, autônomas, ao contrário do perfil do colador. "Quem vicia em cola tende, no futuro, a copiar os colegas no trabalho, a ser um profissional dependente e sem personalidade", diz Márcia. Certas escolas são responsáveis pelo alto índice da prática da cola, dizem os educadores. "Elas fazem atos policialescos, como quatro tipos diferentes de prova, fiscais etc. Isso gera um comportamento de gato e rato, que estimula mais cola", diz Machado. Mas essa justificativa não resolve o seu problema, certo? Afinal, antes que as escolas renovem seus métodos, você provavelmente já vai estar na faculdade ou no mercado de trabalho. O que fazer então? Tome você as rédeas, aconselham os educadores. Trate de agir antes que seja tarde, independentemente da qualidade do ensino e do método de avaliação da sua escola. Saiba que estudar para uma prova, tomar notas na sala de aula, organizar resumos etc., tarefas aparentemente desnecessárias e às vezes muito chatas, são o caminho para desenvolver pessoas que sabem pensar e são criativas. "Cole" em casa Se você sente muita necessidade de fazer perguntas aos colegas durante uma prova, talvez esteja fazendo perguntas de menos ao professor durante as aulas", diz Machado. Fazer anotações é fundamental, mesmo para quem estuda em escolas que fornecem apostilas prontas e resumos das matérias. "As anotações pessoais ajudam a organizar idéias, a assimilar o conhecimento", diz Machado. Nos dias que antecedem a prova, faça um resumo de suas próprias anotações. O processo é mais ou menos o mesmo da cola, só que esta você deixa em casa. Colaborou Silvia Ruiz, da Reportagem Local. Texto Anterior: A máfia dos nomes exóticos Próximo Texto: Colégios tentam dificultar Índice |
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